Virá aí o completar a circular, ou... ?

Sobre descentralizar, desconcentrar e deslo­calizar muito se tem palrado nestes derradeiros tempos. E sobre tais temas até uma que outra voz magister dixit têm vindo à baila, num como que acerto de posições opinativas que tem um certo travo saudosista. Até porque, quanto ao órgão de poder local constitucionalmente consagrado de  região, o silêncio tem sido, no mínimo, quase total e não obstante estas serem um “ ... instrumento fundamental de consolidação do sistema democrático, ...” pela legitimidade que trariam às decisões sobre “ ... interesses próprios das respectivas populações ...” nelas representadas. Ao mesmo tempo que acrescentariam uma natural maior capacidade de transparência nas deliberações e, igualmente, de isenção delas a influências centralizadas.
Mas adiante, que o gado é mosqueiro.

É que isto de apro­fundar projetos político-administrativos (cente­nários, no entanto, por essa Europa fora) não é questão do interesse dos instalados. E os reflexos de uma ditadura que indubitavelmente foi centralizadora até mais não, não é coisa que não deixe marcas numa sociedade sem grandes tradições de participação efectiva nos assuntos da polis. Fenómeno de divórcio ao presente que, sem ser nacional (parece que vai em crescendo por tudo quanto é sítio), dá aso a um desencanto bem aproveitado, mais uma vez, por os que estão e tudo fazem para se eternizarem com o poder.
As regiões, portanto, são conversa para as calendas gregas. Não obstante elas serem a base da resolução de grande parte dos problemas que ocorrem, de muitos malefícios que se cometeram e que nos colocaram, colocam e colocarão nesta situação de europeus não totalmente emancipados. E sem necessidade de mais colação de provas, olhe-se para o progresso que às respectivas populações trouxe a gestão democrática dos municípios.
Mas deixemos esta vexata quaestio, porque não é essa a intenção subjacente a estas linhas.
Assim e encarreirando, lembrando factos de há trinta e alguns anos, por similar falta de validade democrática, vem à memória a história da circular urbana que temos. Nessa altura de Plano Geral de Urbanização da cidade, elaborado pelos arquitectos Fernando Távora e Alfredo Matos Ferreira, o que se propunha para aquela infraestrutura impunha, com traçado ligeiramente similar, alterações na altimetria da implantação e, consequentemente e também, nos perfiz longitudinal e transversal; o que implicaria uma maior área de ocupação e a introdução de obras de arte conformes com o ideado. Nesse sentido ocorreu até uma deslocação a Almada de três membros da Câmara Municipal, à então J.A.E., para uma reunião com o seu presidente, reunião essa que se verificou e na qual ele aceitou considerar o problema; prometendo até uma visita local que, crê-se, nunca se concretizou. E na sequência chegou até a celebrar-se contrato com um técnico, ou gabinete, do Porto, para elaborar o projecto segundo as pretensões da autarquia.
Ao que se sabe nada disto foi levado a cabo.
Talvez porque, na senda dum imediatismo barato (e quem veste ruim pano, veste duas vezes ao ano), acabou por se implementar uma obra que não respeitou aquilo que os interesses locais aconselhariam racional e tecnicamente (ponderados na apreciação, e conjugação, das diversas condicionantes existentes - de que não se podem excluir a continuidade da malha urbana e até a paisagística -; interesses que a cidade deveria ter obrigado a respeitar e merecia, como todo o seguinte seu percurso de galardões e de aumento de visibilidade parece demonstrar).
O pior, porém e pelo resultado dessa concretização decidida unilateral pela Junta, foram mesmo as vítimas mortais de uma circular urbana que esteve anos sem separador; ou os acidentes que continuam a acontecer naquele retorcido carrossel de vias desligadas por um remedeio protector. E isso, essas fatalidades, não há maneira de as reparar.
É que não se pode esquecer que as circulares urbanas que implementam soluções viárias rádio-cêntricas, estando na sua essência viradas predominantemente para a função de circulação (de distribuição local e, sobretudo, de desvio do tráfego de atravessamento, para, nessa última perspectiva, actuarem como meio de defesa dos aglomerados e, maioritariamente, dos  seus centros), de­vem prioritariamente promover a eficiência desse fim, sem, no entanto e igualmente, deixarem de salvaguardar a segurança e muitos outros requisitos que, por demais sabidos, estão devidamente enumerados em estudos, e comunicações, emanadas de organismos oficiais.
É certo que, aquando do referido Plano Geral, não se chegou a demarcar o fecho da circular interna -1ª- prevista (por variadas razões, entre elas algumas técnicas e outras contratuais; não obstante dele constar um esboço de troço da circular externa -2ª-), embora essa intenção tivesse sido abordada. E assim, na altura, não foi possível determinar um corredor que resguardasse uma nele futura intervenção. Falta que poderia e deveria ter sido colmatada no PDM. Tanto mais que o espaço, o terreno de encosta que previsivelmente deverá transpor, não é o mais acessível, quer orograficamente, quer pelas ocupações que nele ocorreram.
Espera-se, pois, que, sem os erros assacados à parte construída, corrigidos, essa anunciada rodovia estruturante corresponda aos predicados que uma circular urbana deve ter nos dias que correm, em si e quanto à sua inserção na rede viária nacional.
 
Óscar Jordão Pires
Fundevila, 9 de Maio de 2018

terça, 15 maio 2018 21:49 em Opinião

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