Quem foi o Conde Arnoso?

A estátua mudou de lugar e está agora mais visível na praça criada na sequência do arranjo urbanístico da área envolvente do Parque das Hortas. A evocação da memória do Conde Arnoso ganhou uma nova dimensão no conjunto urbano. Mas, quem foi, afinal, o Conde Arnoso?

Quem tiver oportunidade de ler o livro Equador, de Miguel Sousa Tavares, depara com essa personagem e a influência que exercia no aconselhamento do Rei D. Carlos I, de quem era secretário particular. 

Como se pode ler numa publicação editada pela Câmara de Guimarães, a propósito da inauguração da estátua registada a 29 de Abril de 1961, "Bernardo Pinheiro Correia de Melo, 1º Conde de Arnoso, título com que fora agraciado por El-rei D. Carlos I em 1895, era filho do vimaranense 1º Visconde de Pindela, João Pinheiro Machado Lobo da Figueira Correia de Melo e Almada e de sua segunda mulher, Eulália Estelita de Freitas Rangel Quadros".

O Conde Arnoso nasceu em Guimarães a 27 de Maio de 1855, no solar do Proposto, casa que pertencera à primeira mulher de seu pai, Maria do Carmo de Meneses Barreto do Amaral, filha herdeira do Morgado do Paço de Nespereira e faleceu no solar de Pindela, freguesia de S. Tiago da Cruz, do concelho de Vila Nova de Famalicão, em 21 de Maio de 1911. 
Era irmão do 2º Visconde de Pindela, Vicente Pinheiro Lobo Machado de Melo e Almada, bacharel formado em Direito pela Universidade de Coimbra, falecido em 1922, que se destacou também de modo invulgar como diplomata ilustre, tendo desempenhado o elevado cargo de nosso Ministro Plenipotenciário nas cortes de Haia e de Berlim.

"Pela sua nobre ascendência foi o Conde Arnoso um verdadeiro fidalgo, de ilustre e antiga estirpe. Tendo seguido a carreira militar, alcançou o posto de General do Estado Maior da Arma de Engenharia, mas pediu a demissão de oficial do Exército logo após a proclamação da República, fiel como foi sempre, até à morte, às suas convicções políticas, honrando o seu cargo de Secretário particular de El-rei D. Carlos I, de quem foi amigo íntimo, dedicadíssimo e leal. Foi Bernardo Pindela, como o tratavam os seus íntimos, um gentil-homem da mais fina sociabilidade, exerceu o cargo de Par do Reino e desempenhou diversas missões diplomáticas no estrangeiro, uma das quais no Extremo Oriente", refere o opúsculo.

O monumento dedicado ao Conde Arnoso foi erguido na sequência de uma iniciativa do deputado Duarte do Amaral que sugeriu à Câmara de Guimarães a realização de uma homenagem cívica à memória de Conde de Arnoso, "homem de excepcionais qualidades e de talento e de carácter, merecendo a gratidão da sua terra natal porque a soubera honrar e respeitar".

Em 1961, a homenagem ao Conde Arnoso contemplou a inauguração da estátua, de autoria do artista Joaquim Correia, e a realização de uma sessão solene na Sociedade Martins Sarmento. Um dos oradores, Augusto Castro afirmou: "no panorama da vida contemporânea portuguesa, não conheço figura de português mais portuguesa, exemplo de lealdade, expressão viva e inexcedível de carácter, de força moral, Arnoso foi, na sua admirável existência e até no drama espiritual da sua morte, a reencarnação magnífica de todas as forças do espírito e sublime fidelidade à grandeza e à nobreza que constituem glória e exemplo de vida. Num dado momento, no desabar da consciência portuguesa que se seguiu ao regicídio, entre as sombras, as impunidades e as delinquências duma sociedade que, arrastando na sua derrocada a monarquia, nacionalmente se suicidou, Bernardo Pindela foi a figura quase shakesperiana que dos escombros se elevava como a última voz, acusadora e expiatória, o derradeiro sopro da sobrevivência e do resgate do drama das cumplicidades e da decadência duma época. «Uma figura viva e em pé no meio duma sociedade morta» - como disse Ramalho. Vi-o algumas vezes passar nos corredores, sentar-se, alheado do cenário que o cercava, no anfiteatro da Câmara dos Pares, durante os primeiros anos que se seguiram ao assassinato, no Terreiro do Paço, de D. Carlos e do Príncipe. Tinha o ar de um espectro. Verdadeiramente, ele morrera naquela tarde de tragédia, com o seu Rei. Ficara o Cavaleiro Andante da fidelidade e da amizade. Vivia, apenas, por um esforço prodigioso da vontade, para reclamar justiça para a memória do monarca que servira e para o crime hediondo de que Portugal parecia esconder os olhos e a alma - o crime que se tornara colectivo, do suplício e da morte do Chefe e do Amigo. Era uma sombra, implacável como o remorso. Morreu, de facto, pouco depois em Maio de 1911. Dir-se-ia que sobrevivera ao fim do seu Rei, apenas o tempo necessário para lhe honrar e vingar a dolorosa memória".

Após o assassinato de D. Carlos e de seu filho D. Luís Filipe, Bernardo Pindela tomou a "atitude na Câmara dos Pares, reclamando, com veemente insistência, justiça que aliás nunca foi aplicada a muitos dos maiores responsáveis pela investigação desse crime. Cultivou as letras com notável elegância, deixando algumas obras de indiscutível mérito - contos, teatro, descrições de viagens. Foi amigo e companheiro de Eça de Queiroz, colaborou literariamente com Alberto de Oliveira e com o Conde de Sabugosa e fez parte do célebre Grupo de intelectuais que ficou conhecido pela designação de «Vencidos da Vida», constituído por alguns dos mais notáveis escritores do seu tempo".

A este propósito, na mesma sessão, Duarte Freitas do Amaral, assinalou: "dizia Bernardo Arnoso que os «Vencidos» eram apenas onze amigos que, de quando em quando, pacatamente jantavam juntos para conversar". Era realmente para trocar ideias que se juntavam e, não há dúvida, desde que o mundo é mundo, nunca se encontrou melhor forma de convívio do que esta, mesmo sujeitando-se à azeda crítica daqueles que, como Fialho, tão largamente a usaram".

Texto publicado na edição de 15 de Março de 2017, do jornal O Comércio de Guimarães

Marcações: Cultura

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