Álvaro Domingues alertou para ameaça da "mercantilização" e "financeirização" do espaço público

"A excepcionalidade do espaço público de Guimarães deve ser explicada nos seus múltiplos significados". Esta foi uma das muitas apreciações feitas pelo geógrafo Álvaro Domingues, na terceira sessão pública de discussão do Plano de Gestão do Património Mundial de Guimarães, realizada ontem na sede de Cine-Clube de Guimarães.

Na sessão, subordinada ao tema «Comunicação», o conceituado investigador e professor na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto pronunciou-se sobre o documento que está em consulta pública até ao final deste mês, com uma intervenção em que partilhou vários apontamentos sobre Guimarães, território que classificou como "um tratado para a diversidade urbana".
Para Álvaro Domingues, o Plano em causa "é excelente, feito por pessoas com muita experiência" e "só tem um 'pecado' é um documento técnico, feito para a UNESCO e a pensar numa clientela que o vai apreciar, não numa linguagem comum".

"O desafio da comunicação é pegar em questões, explicá-las e desdobrar os exemplos", porque agora o foco da atenção abrange um bem patrimonial que constitui uma novidade.
"Estamos habituados a que o património tenha o castelo e o palácio... como os tais pontos excepcionais. Agora, temos de explicar o que é a excepcionalidade do espaço público e dos seus múltiplos significados... Temos que explicar aquilo, que se não fosse encantado, como se houvesse uma fada que lhe tocasse com a sua varinha, não saía da sua normalidade e caminharia para uma uma coisa que se chamaria ruína", afirmou, referindo-se ao quarteirão das antigas fábricas de curtumes.

Os espaços e os edifícios, continuou, "foram resgatados dessa amnésia, desse esquecimento e foi-lhes conferida uma identidade, um discurso, uma narrativa, uma representação e ao mesmo tempo é proposta uma nova vida, onde já não se vão curtir peles, vai-se curtir outra coisa... E poderão ser alguns da Universidade do Minho ou terão outros usos!"

O geógrafo alertou para a necessidade de explicar "o que é o domínio público, aquilo que é comum", para evitar a "mercantilização" do espaço público e a "financeirização". "Aquilo a que chamamos a res publica, as coisas públicas são aquilo que se pode partilhar colectivamente e, melhor, se tiverem propriedade pública. A propriedade pública é o melhor antídoto para esses espaços, para esses edifícios não entrarem na voragem do mercado e daquilo que se chama hoje a mercantilização do espaço urbano", defendeu, assinalando que no Porto, há "operações em quarteirões inteiros feitas por fundos de pensões que nem nacionalidade têm, é um jogo financeiro puro".

"As peças de resistência desse jogo de financeirização são as coisas públicas e a melhor maneira de as segurar é pôr lá dentro actividades que tenham um multiplicador social muito forte, que sejam escolas, centros de investigação, teatros... que tenham um valor público imediato e que sejam percebidos pela sociedade em geral como «coisas» muito importantes e que permanecem. Que têm energia para manterem os espaços vivos e animados fora daquilo, porque o negócio turístico não obriga a fazer nada, porque a máquina encarrega-se de fazer uma espécie de homogeneização", referiu, advertindo que Guimarães tem "obra feita", "não tem de provar nada acerca do efeito de demonstração". "Ele está demonstrado, foi premiado, foi muito conhecido até nos meios especializados nas áreas de património. Se há alguém que tenho de informar em primeiro lugar são os vimaranenses no sentido lato", observou, sustentando que "pegar na indústria dos couros e torná-la objecto de patrimonialização é algo completamente novo para muita gente, é uma coisa muito estranha à ideia convencional de património". Álvaro Domingues assumiu o desinteresse pela ideia de "Centro Histórico objecto".

Na sessão, a Vereadora do Departamento de Serviços Urbanos e Ambiente, Sofia Ferreira, insistiu que o Município procura criar mecanismos "para que a pressão turística não descaracterize e não retire a marca de autenticidade que distingue Guimarães". "Temos de ser capazes de preservar os valores que concederam a classificação da UNESCO, tornando o concelho mais inclusivo e capaz de contribuir para os objectivos do desenvolvimento sustentável", disse, ao lembrar o slogan da Capital Europeia da Cultura em 2012 «Tu fazes parte» para referir-se à rede de embaixadores que estão disponíveis para divulgar o território.

Na qualidade de anfitrião da iniciativa, o Presidente do Cine-Clube de Guimarães deu conta que a colectividade "é residente no Centro Histórico". "A nossa relação é de intimidade histórica com este espaço urbano", frisou Carlos Mesquita, aproveitando para realçar a importância de olhar para ele "como espaço onde se habita, composto por pessoas com preocupações culturais".

Marcações: discussão pública, Plano de Gestão do Património Mundial

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