O TEMPORA! O MORES!

O título, que significa algo como “Que tempos! Que costumes!” é da autoria de Cícero, polifacetado intelectual romano nado e falecido nas proximidades do dia em que Cristo veio ao mundo, e visava a crítica dos costumes então modernos, que ele tinha por carregados de devassidão, falta de ética, de princípios e de honestidade.

Com o decurso do tempo a expressão deixou de ter aquela conotação pejorativa, para passar a rematar excla­mativamente uma crítica, normalmente jocosa, a costumes do presente por contraposição aos de tempos anteriores.

Veio-me a expressão à memória em virtude da minha observação de determinados aspetos da superfície da realidade que me cerca, muita da qual bem serviria para apontamentos de filme de humor.
Falo da superfície da realidade e só dessa, porque do que sob essa capa se esconde há boa matéria para reflexões da natureza das que a Cícero inspirou o citado dito e, para elas, far-se-ia mais que exíguo o espaço que neste semanário me é colocado à disposição.

Alguns exemplos:
A gravata deixou de ser peça obrigatória. Aliás passou a ser socialmente adequado não a usar em ocasiões em que, tempos atrás, o adorno seria indispensável.
Vá-se a casamento, ba­ti­zado ou, mesmo funeral, e é ver a quantidade enorme de desgravatados, em percentagem crescente face aos que ainda se sentem forçados a doentio rubor pelo aperto do colarinho indispensável ao porte do tradicional adorno sub maxilar.
Há quem, porque resquícios da regra social, ou incapacidade de a sacudir, o não liberte da tradição, contorne esse problema da rubescência, mediante uso de camisa de colarinho dois tamanhos acima do próprio para o respetivo pescoço, com o que aparenta sobriedade de gastos usando vestuário de tempos em que o volume corporal seria de bem mais amplas medidas.
Acho muita graça ao facto de, despromovida a gravata, o que implicou a promoção da abertura do primeiro botão do colarinho, em pouco tempo o padrão da moda ”casual”, palavra esta que traduzida para linguagem que vai também fugindo aos usos significa à vontade, passou a ser, não um botão da camisa desapertado, mas sim dois; o primeiro e o segundo.
(Acrescente-se o recen­tíssimo costume de porte de fato completíssimo, com calça curta sapato de verniz e ausência de peúga. Acho um must – palavra esta também de moderníssima extração que nesta emergência me fez bastante jeito).
Adoro ver os ministros, os noivos e seus convidados, os padrinhos dos acabados de ascender à cristandade, os velantes da matéria cujo espírito partiu de viagem perpétua, impecavelmente de calça, casaco e camisa superiormente (porque na parte de cima) munida de duas desabotoaduras.
E o que mostra, agora, a camiseira fenda superior? Um início de peito de impecável lisura, indiciador de um corpinho completamente depilado, eventualmente pelas mais modernas e definitivas técnicas de pôr a epiderme todinha à vista.
A moda tem feito com que, cada verão, na praia, eu, que nem sou de pilosidade que possa ter-se por farta, ao ousar olhar para mim, me sinta progressivamente mais, como dizer …, desatualizado!
E lembrar que, ainda há pouco, num homem, ser peludo era sinal de, como dizer …, vigor e boa saúde!
Claro que não falo nas exceções, como aquela do cavalheiro cuja pilosidade era de tal modo excessiva que acreditou ser fruto de doença e, por isso, consultou um médico da especialidade.
A pessoa em causa despindo a camisa frente ao clínico para exibir a maleita, disse, “Veja Dr! Do que é que eu padeço?” ao que o médico, que não pronunciava bem os “r”, olhando-o nos olhos respondeu, “O que o Sr padece? O Sr padece um macaco!”.
Hoje, o de farta pilosidade, mercê da moda e da técnica, anda aí com a camisa toda desabotoada e calção bem acima do joelho, exibindo uma pele que nem o mais tenro traseiro de criancinha.
Outro exemplo:
Casei-me em Fátima em 1969, altura em que o recato nos atos oficiais era regra e nos religiosos severo imperativo. A minha noiva (desde então …) levava um vestido lindíssimo, cujas mangas eram de chifom, apenas levemente translúcido.
Indo ela a entrar no San­tuário, a meio da porta, qual impetuoso sinaleiro, o sacristão levanta o braço direito e com ele uma manápula de respeito, palma da mão voltada para a frente com as linhas da vida, da morte e da sorte bem à vista, e dedos bem unidos erguidos para o Céu, e diz: “A NOIVA NÃO ENTRA!”
Senhores! A confusão que se instalou nas hostes da noiva!
Com inventiva e manco­munação dos cavalheiros pre­sentes, todos de lencinho branco no bolso superior do casaco, foram os ditos lenços sacrificados em taparem os braços da noiva, introduzidos sob o tímido chifom e a estes presos com os alfinetes que colavam ao peito dos homens e aos peitos das senhoras as flores que neles aqueles e estas tinham colocado.
Como vão agora a maioria das noivas vestidas? E as fami­liares e amigas, sobretudo as de idade até lustre para trás e década para a frente da da noiva?
Não me perguntem se estou ou não de acordo. Eu é que pergunto; tem alguma coisa a ver com aconteceu no meu casamento?
Agora as tatuagens.
Não sou a favor nem contra; como me acontece com os vinhos, cujas marca e proveniência o paladar me não informa, deles só sei dizer se gosto ou não gosto. Sei é que há não muito eram as tatuagens apanágio discreto de marinheiros, militares e pouco mais, tendo por local de eleição para serem inscritas a face externa e superior de um dos antebraços.
Atualmente a tatuagem tornou-se moda e, segundo li, escrito por especialistas na matéria, prática com potencialidades altamente viciantes.
Sem dizer tudo sobre a matéria, mas adiantando algo mais sobre como a encaro, confesso que há tatuagens que considero muito estéticas, aplicadas em preciosas geografias corporais, não raro generosamente exibidas.
De resto, a moda veio trazer credibilidade ao que, há muito, me contaram, com juras de veracidade que então pus em causa, e que tentarei reproduzir sem tirar nem pôr:
Duas enfermeiras, Maria a Mariana (nomes fictícios), ambas solteiras, pois então era proibido as enfermeiras casarem-se, encontravam-se em ato de preparação de um rapaz para ser circuncidado, quando a Mariana chama a atenção da Maria, “Olha o que este tem aqui tatuado: ÓNIO!”. Riram-se, acabaram o serviço e foram cada uma à sua vida, tendo a vida de uma sido levada para terra longe daquela para onde pela vida a outra foi levada.
Passado algum tempo reencontram-se casualmente no Rossio, em Lisboa, correram uma para a outra e abraçaram-se com enorme e natural alegria.
Quando se largaram a Mariana, que continuava enfermeira, reparou em dourada aliança no anelar esquerdo da Maria, logo a interpelando “Então já não és enfermeira?! casaste com quem? conheço?”, ao que a Maria respondeu sorridente, ”Lembras-te daquele que tinha tatuado ÓNIO? Afinal a tatuagem completa era “Zé Maria –Vila Real de Santo António. Sou muito feliz com ele.”
Obrigado Cícero!       

Guimarães, 29 de maio de 2018
António Mota-Prego
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