O ovo de Colombo
É conhecida a expressão, e o significado de, o ovo de Colombo; seja o subterfúgio da sua autoria, ou não e refira-se à viagem para o outro lado do Atlântico ou ao mais antigo projecto da cúpula do Duomo de Florença.
Para o caso isso pouco interessa, mas o que acorre ao pensamento quando se olha para a solução encontrada para a ab initio indefensável rotunda de Silvares, anunciada e mostrada em imagem deste Semanário de há semanas, é essa originalidade metafórica. Crendo, sempre, que a placa giratória central, a que distribui o transito local (que o da auto-estrada, da e para a cidade fluirá directo em nível inferior e querendo acreditar que manterá as duas faixas em ambos os sentidos) e as deste para as várias direcções que ali se cruzam, terá uma amplitude suficiente para escoar o trânsito automóvel que a venha a utilizar; esperando-se, portanto, que não venha a mostrar-se o sempre e acostumado arremedeio atamancado de futuro efémero.
Nesta esperança e como nestas coisas de desperdício de fundos do erário público, neste País de faz, desfaz, refaz e de brandos costumes nessa área, a culpa morre sempre solteira, ocorre questionar o porquê daquela, da presente solução, não ter sido a logo implementada (além do mais por os transtornos que ora vai ocasionar e os prováveis custos acrescidos se se quiserem mitigá-los, circunstância esta que não costuma ser o uso do País, em que a Administração serve-se de preferência a servir); pois, estava-se mesmo ver, como aliás foi denunciado por diversas vezes ao longo dos anos, que a densidade de tráfego a impunha e, em poucos anos, viria a agravar o problema daquela rotunda desenhada, e implantada, sem o ter em consideração e aos mais que previsíveis seus acréscimos (é de recordar a recente obrigada solução municipal da escapatória para quem vem do Pevidém, numa tentativa de reduzir os frequentes engarrafamentos; obra que ocasionou gastos que um desejável planeamento normal, e coordenação, poderiam ter evitado). Aliás, mesmo nessa contingência de uma deficiência por demais pressentível que teria de ser corrigida e em terrenos marginais com diversas altimetrias, ainda se foram licenciando edificações que, ao presente, podem limitar ou encarecer a melhor resolução do estrangulamento que ali se verifica.
Dito isto, entretanto, convém lembrar que o que ali acontece tem antecedentes de que, curiosamente, não se fala e, sobretudo, ninguém os explica. Sobre eles paira um silêncio sepulcral. Eh! Em princípio e para toda aquela zona de Silvares, estava projectado o cruzamento das A7, A11, ligações à cidade e ENs existentes. Num processo em que, inclusivamente, se iniciaram as conversações para aquisição amigável dos solos em fase preliminar de expropriação. Porém, de repetente e sem quaisquer explicações ao Zé Povinho, um moita-carrasco total, o abandono daquela solução e a abertura da porta (repare-se que ainda não tem número, contrariamente às anteriores, como a de Seide) próximo da VIM e tudo o mais que por lá foi ficando (como os remedeios da ligação à A11; ou o nossa inadequada rotunda liliputiana de Silvares).
Tudo resolvido no silêncio dos gabinetes, provavelmente lá por Lisboa e nas costas dos directamente interessados, do dito Zé, que, nesta dita democracia representativa em que cada vez menos se sente representado, começa (e os exemplos vão se amontoando por esse mundo fora, ainda que muitas vezes acoimados de populismos) a ter ganas de fazer aquele celebrizado manguito do Rafael Bordalo: o queres fiado, toma ...
Gesto e expressão que, numa fala mais coerente com a dignidade que a política deveria assumir, só quer transmitir a impressão de quem não confia, de quem não se sente verdadeiramente representado por os seus mandatados; daqueles que os seus reais interesses não são auscultados e que, estes, os interesses, uma vez devidamente sopesados, não são arduamente defendidos e isentos de quaisquer outros jogos que os calem. A abstenção eleitoral e apatia à gestão da coisa pública são uma boa prova disso (excepto, neste derradeiro caso, se se prestarem a sensacionalismos mediáticos). E não se venha com a analogia do que se passa por esse mundo fora, pois, como se sabe e vê do quotidiano, um pouco por todo o lado, a democracia representativa como tem sido estruturada encontra-se em crise. E nos países em que ainda funciona mais ou menos, a maior proximidade (que aporta envolvimento e pode possibilitar maior transparência) das decisões com os delas usufruidores minora essa perturbação endémica. E nesse aspecto por cá, então ... Não obstante badala-se constantemente com a imposição do OE, do défice, da dívida pública e quejandos conceitos económicos, ou de finanças, mas pouco se atenta no atempado, concertado e ajustado planeamento que corresponda aos verdadeiros interesses colectivos e às diversidades regionais, nem à posterior sua correcta, e eficiente, execução. Isso é outro campeonato. Porventura de divisão paroquial.
No entanto, nós semos os melhores do mundo.
Nesse sentido e porque a nossa Constituição, em termos de princípios, ainda é das mais progressistas, talvez valha a pena transcrever os seus artigos 1.º e 2.º, que rezam: Artigo 1.º (República Portuguesa) Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Artigo 2.º (Estado de direito democrático) A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia da efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.
Assim e desde 1976 ao presente, são estes os princípios alicerçadores essenciais e básicos do nosso contrato social como Estado. Princípios que o Presidente da República, por imperativo de fórmula de posse, jura defender, cumprir e fazer cumprir.
Mas o devaneio já vai longo e desembocou em impensados caminhos não previstos inicialmente. Apesar disso, mas porque, de certa maneira ainda se o pode encaixar, lembra-se apenas da importância do fecho da circular urbana pelo nascente. Obra que se sabe difícil, mas que definirá cidade e, talvez, algo do seu devir.
Fundevila, 7 de Novembro de 2018