O engarrafamento da economia

Logo após a tomada de conhecimento do aparecimento do novo coronavírus e das suas consequências na cidade chinesa Wuhan, nome

adamente das drásticas medidas de contenção tomadas pelas autoridades chinesas, impondo restrições à liberdade dos cidadãos, só possíveis em regimes autoritários e ditatoriais, foi grande a minha preocupação sobre o que poderia vir acontecer na nossa Europa livre e democrática.

Algumas semanas depois, já o norte de Itália, região fortemente industrial com ligações comerciais à China, é atingido pelo mesmo vírus.

Entretanto, na mesma altura, ocorrem várias feiras industriais nessa região, de entre as quais a de calçado MICAN, na qual participam várias empresas e agentes do norte de Portugal.

Nos primeiros dias de Março, Felgueiras e Lousada, terras com forte presença de empresas de calçado, viam várias famílias contagiadas com o vírus que, de forma exponencial, crescia e se alastrava por toda a região norte.

Os serviços noticiosos eram carregados de imagens aterradoras do caos instalado nos serviços de saúde italiano, mostrando unidades de cuidados intensivos incapazes de poder dar resposta a tanta procura, assim como as fragilidades ao nível da falta de materiais de proteção para os profissionais de saúde, insuficiência de equipamentos e mortos às centenas, todos os dias.

Alguns dias depois assistíamos a cena semelhante, agora já bem mais perto de nós, com a Espanha a viver os mesmos problemas que afligiam a Itália.

Sendo certo que a preocupação e o medo estavam entre nós instalados, como o provam a retenção em casa de muitas pessoas por sua própria e espontânea iniciativa, antes mesmo da decretação do estado de emergência, exprimia eu, na altura, que a minha maior preocupação não era propriamente a doença, já que atingiria apenas uma muito reduzida parcela da população, mas sim as suas consequências económicas e sociais, porque essas, indiscutivelmente, iriam atingir a totalidade da população.

Não me enganava no prognóstico. Alimentava, contudo, a esperança de que, se fosse possível suportar o custo das empresas paradas de modo a que elas não se desmoronassem e pudessem arrancar de um momento para o outro, poder-se-ia esperar uma crise global sim, mas muito passageira.

Assistindo, uns dias depois, ao surgimento de decisões governamentais portuguesas e europeias propondo um conjunto de apoios nesse mesmo sentido, de proteger as empresas, mantendo-as vivas, lá imaginei que estaríamos no bom caminho e que a recuperação económica poderia arrancar de imediato para o mesmo ritmo anterior à pandemia.

A realidade parece, infelizmente, ser bem mais diferente.

A economia, nas actuais circunstâncias, assemelha-se àquelas situações de trânsito engarrafado que todos bem conhecemos do nosso quotidiano. Temos viaturas que nos permitem, com facilidade, circular a mais de 100 km por hora, mas o fluxo de trânsito não nos permite andar, obrigando-nos, por vezes, a ir a uma velocidade próxima de zero. Isto é, dependemos todos uns dos outros.
Não temos pista livre.

Na economia a situação é semelhante. As empresas estão todas dependentes umas das outras. Seja pelas matérias primas, seja pelos transportes, seja pelos distribuidores, seja pelas lojas do consumo, seja pelos consumidores etc. O arranque será, muito previsivelmente, lento. Dizem os especialistas que a reposição do nosso PIB só ocorrerá lá para 2022.

É assim que as perspectivas, mesmo depois de ontem ter visto o bloco França Alemanha tomando a dianteira, apontando uma verba de 500 mil milhões de euros para o apoio à recuperação da economia, não como empréstimo aos países membros, mas como subvenção, não sobrecarregando assim o peso da dívida de países como Portugal já com elevados níveis de endividamento, não são nada animadoras.

Oxalá que desta situação de pandemia que nos encontramos a viver, semelhante a muitas outras que têm acompanhado o Homem ao longo da sua história, possam surgir inovações conducentes a um importante salto qualitativo no domínio das ciências da Vida e do Homem.

Guimarães, 18 de Maio de 20202
António Monteiro de Castro

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