UBASUTE

Costume japonês que também é atribuído por escritores antigos aos Lusitanos, povo que, parece, se estendeu até ao rio Douro,

mas que, mais presumivelmente, teria estacionado essencialmente na parte ocidental do maciço central ibérico e a sul dele. E tradições essas que consistiam na eliminação dos, por eles, considerados desperdícios humanos, ou seja e no caso, das pessoas velhas. É dele, desse costume, que derivou a expressão levar os velhos ao monte, ou a lição já dela decorrente: a daquele filho que, ao lhe ter o pai repartido a manta que este lhe deixava para agasalho e dizendo-lhe que era para quando chegasse a vez dele, compreendeu, reconsiderou e retornou-o a casa. Aliás, aquela usança e já nessa época recuada em que se escrevia sobre os Lusitanos, espantava, por a sua barbaridade, os que os descreviam.

Mas os tempos decorreram; as gerações e as sociedades também.
Assim e nestas últimas, razões de vária ordem e que confluíam no modus habitat destas paragens europeias (e porventura não só), facultaram, pela organização da família nele residente e dentro dela, que os respectivos núcleos, como regra e transversalmente às respectivas classes e pelos diversos estratos sociais que estas comportavam, fossem absorvendo as imparidades etárias, coordenando-as e viabilizando relacionamentos agregadores. Situação que, maioritariamente, na sua espinha dorsal nos trouxe quase até aos nossos dias.
Do mesmo modo e antes de a estes arribados, igualmente razões de vária ordem e na impraticabilidade de aqui se as apurarem, foram impondo a densificação urbana que os sucessivos modelos de desenvolvimento económico foram exigindo, num trajecto que, da insípida aglomeração de antanho (lembre-se a génese – justificada num mosteiro dúplice - e desenvolvimento desta nossa cidade, para, séculos depois, o salto provocado pela industrialização e o posterior por cá e nunca é por demais denunciá-lo, despautério da dispersão), acabou nas megapolis e áreas metropolitanas do presente, permissivas e viabilizadoras da explosão do sector terciário. Ou dito de outra maneira, susceptíveis de o sustentarem e gerarem a falsa expectativa duma sua permanente expansão. Claro que essa criada densificação e os altos níveis de emprego tiveram consequências no aludido modus habitat e, do mesmo modo, na estrutura familiar (numa perfeita simbiose e sem primazias), que, esta, se foi diluindo e perdendo características vivenciais de conjunção e fraternidade. A par da diminuição duma habitabilidade multigeracional e parental. E do consequente estorvo de os incapacitados; e até, noutro registo, de os menores. Naqueles primeiros e por o seu crescente número, os velhos.

Numa curta nota de apenas memória e para outras muito piores condições de vida, os asilos para os que não tinham qualquer família e as casas de pobres para os indigentes.
Referências todas anteriores que se fazem sem qualquer intuito comparativo ou de valoração, mas tão-somente para se tentar contextualizar. É que, por norma e no passadio do quotidiano urbano actual, o modus habitat funciona quase só como local de descanso do trabalho; mesmo para as crianças que, da creche ao infantário e terminando na escola, lá se juntam com o(s) progenitor(es) para apressadas refeições, tarefas domésticas, ou de outra índole e muito pouco para uma relaxada e saudável convivência diária. E mesmo aos fins de semana? Tanto mais que, normalmente, as tipologias espaciais disponíveis não são consentâneas duma liberdade de utilização individual que, simultaneamente, assegure um grau de privacidade, e intimidade, conciliável com as várias vontades da usança de cada membro. Tornando-se, ademais e por causa do vazio de permanências durante grande parte das vinte e quatro horas de dias sucessivos, lugares impróprios para abrigar em prolongação pessoas diminuídas e debilitadas. E o problema destas, num crescendo que o aumento da longevidade agravou, tornou-se um fenómeno social, ademais exacerbado numa sociedade como a nossa, que estava pouco preparada para o enfrentar. Assim, não havendo condições na casa de família, a solução encontrada foi o depósito (lembre o abandono nos hospitais que os média, aqui e ali, vão reportando; e, lembre-se também, aqueles muitos casos que têm sido noticiados ao longo dos últimos anos de lares impróprios, sem um mínimo de requisitos ou capacidades para assegurar um serviço condigno, mas que, aproveitando a inflação da procura e num mundo em que tudo é negócio, por aí estão).

Qual a solução?
Plausivelmente a só de um orçamento do Estado mais generoso; mas, sempre, condicionada à efectiva boa prestação do serviço, bem como duma fiscalização atenta para que assim ocorra.
Entretanto, deve-se dizer que nas derradeiras dezenas de anos muito se avançou. E há que reconhecê-lo.
Assim, aproveitando construções pré-existentes, fossem elas de entidades sobre alçada religiosa, ou institucionais, profissionais ou privadas, procurou-se adaptá-las às exigências da nova finalidade, dotando-as fisicamente de condições susceptíveis de responderem aos níveis modernos de habitabilidade (quantas vezes e perante dificuldades do ajuste, impondo não o razoável mas o óptimo) e aumentando a sua capacidade de acolhimento. A par de financiamentos para construção de novos equipamentos (e aqui uma referência particular aos centros de dia). A acção do Estado, com variações e dependendo de iniciativas, aconteceu. E quase se pode adiantar que o resultado, sem ser o necessário, muito longe disso e dentre os vários queridos viabilizados por as distintas conjunturas políticas, se não resolveu, pelo menos reduziu a visibilidade da carência. Com, evidentemente, muitas disparidades e muito ainda por colmatar (quer quanto a equipamentos, quer hoje e, notadamente, quanto à qualidade duma assistência especializada). Mas, foi-se andando um pouco ao jeito do provérbio Roma e Pavia não se fizeram num dia; sendo que o milénio transcorrido e o pós 25 de Abril nos puseram numa sociedade completamente diversa. E por isso, mesmo sem a presença na família, os velhos, materialmente, já não são largados em o (que não a) monte. Mas este estado de coisas não chegou, perante a impreparação, para conter uma pandemia altamente contagiosa; como se tem visto à escala mundial e por essa Europa fora (Madrid, Suécia, etc.)

Aliás e de certa forma, a Covid 19 que nos assola tende a comprovar isso mesmo. É que, sendo os velhos um grupo de risco (e que, como se verifica das estatísticas, com uma letalidade em função do grupo etário infectado >50%), o efeito da sua concentração para lares (e agora em centros de dia), aumenta potencialmente a neles relação portador/contagiado (por as condições de convívio em, e, zonas de normal utilização comum, bem como dos mesmos prestadores da assistência). Portanto e não obstante as cautelas que se foram tomando conforme se ia conhecendo a doença e os meios foram sendo atribuídos (na recordação das primeiras imagens do equipamento do começo e as de hoje, das batas às máscaras e por aí fora), era, previsível que, na disparidade das situações, das de luxo às mais desguarnecidas, houvesse surtos, como houve e continuam a suceder. No entanto, diga-se, na comparação (população, número de infectados, recuperados, doentes hospitalizados e em CI, mortos), nós, portugueses, não nos podemos queixar se atentarmos no que vai por essa Europa fora e, para já e numa fotografia dessa família, situar-nos-iamos garbosamente na primeira fila.

Não se compreende, portanto, o escarcéu mediático no aproveitamento de ocorrências pontuais; aliás, com disparidades de critérios em relação com outras também verificadas.
Não se compreende, ou não se quer compreender a intencionalidade de (em tempos tão necessários de conjunção de forças, condutas e acatamento de directivas) o constante acicate dos ânimos, nesta ou outras áreas sociais bem distintas, numa promoção da confrontação e do acirramento de diferenças dialogáveis, que o neoliberalismo proporcionador do exagero dos direitos e liberdades individuais, do individualismo em detrimento das obrigações e responsabilidades sociais, vai manipulando numa sua derradeira tentativa de divide et impera; de regresso a uma normalidade que nunca foi mais do que o caminho para o precipício.

Fundevila,
9 de Agosto de 2020


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