Os Açores e a alternância democrática

A disputar com a crise pandémica o espaço noticioso e de opinião dos grandes meios de comunicação social do país, surge agora um novo

tema: as eleições regionais dos Açores e o apoio parlamentar que o pequeno partido Chega veio dar à coligação pós eleitoral do PSD, CDS e PPM.

Partido recente no xadrez político nacional, fortemente populista e unipessoal, forjado, sobretudo, nas franjas da população descrente na democracia, tem visto o seu crescimento alimentado à custa de erros sucessivamente cometidos por muitos dos responsáveis políticos do passado recente e dos tempos actuais.

Depois de assistirmos, por esse mundo fora, Europa incluída, ao aparecimento deste tipo de movimentos, era previsível que Portugal não constituísse excepção .

Na verdade, fenómenos como corrupção e nepotismo, tão frequentes, infelizmente, nos órgãos da administração do estado e suas empresas, assim como no setor privado e na vida empresarial em geral, têm vindo a contribuir para o fornecimento de slogans usados por falsos profetas que anunciam tempos de fartura de pão e mel.

É claro que estes movimentos se alimentam também da perda progressiva dos factores identitários que unem os povos em consequência do aparecimento das migrações em massa, gerando populações desenraizadas mais vulneráveis às mensagens falsas.

A pretensa superioridade intelectual e arrogância de alguns políticos dessintonizados dos sentimentos e dificuldades de grandes extractos da população, constituem mais um factor a contribuir para o engrossar das fileiras destes movimentos.

A globalização, responsável pela redução da fome e da pobreza em muitas regiões do mundo inteiro, veio criar novas manchas de pobreza, assim como agravar as desigualdades no mundo ocidental.
Poder-se-á, pois, dizer que, desenraizamento social, agravamento das desigualdades e da pobreza, corrupção e nepotismo, ausência de ligação à população, tudo são factores que tornam, grandes faixas da população, vulneráveis a mensagens populistas, contra o sistema vigente, contra a sociedade e contra a democracia.

Qual a solução para enfrentar a nível nacional, este desafio que é planetário, como se pode ver pela Hungria, Polónia, Itália, França, Estados Unidos, Brasil, Venezuela, Chile, Nicarágua, Filipinas ... ?

Em Portugal, e segundo a visão das esquerdas, e de alguns pretensos líderes futuros do PSD, as receitas mais ouvidas passam pela formação de um cordão sanitário que envolva totalmente esses movimentos e os impeça de contagiar a restante população e suas forças partidárias.

Segundo outras opiniões, e da qual partilho, deverá antes ser adoptada uma posição de enquadramento e acolhimento no regime, conquistando para a democracia essas franjas populacionais desavindas e descrentes, fazendo-lhes ver o erro grosseiro dos princípios e valores que lhes pregam.

Em minha opinião, os seus actuais comportamentos, atitudes e propostas, sendo na generalidade reprováveis, não são incompatíveis com a sua chamada e integração no regime democrático.

O conhecimento havido acerca do engrossamento de partidos populistas como a Frente Nacional de Le Pen em França, o 5 Estrelas em Itália e seus congéneres da Hungria, Polónia e outros países do Leste, diz-nos que tem sido muito conseguido à custa da cativação de gente extremista proveniente de todo o leque partidário, com especial destaque até para os desencantados de partidos comunistas e de extrema esquerda.

Veja-se, aliás, curiosamente, a implantação que o Chega tem conseguido em certas zonas do Alentejo, outrora bastiões do PCP. A sua mensagem parece correr transversalmente todo o xadrez político nacional.
As recentes eleições regionais dos Açores vieram trazer para o debate o confronto entre essas duas diferentes opiniões sobre como lidar com o partido Chega.

Na verdade, depois de vinte e quatro anos de governação socialista nos Açores, uma das regiões mais pobres do país, o povo manifestou o desejo de ser governado por uma maioria não socialista, constituída por uma coligação pós eleitoral entre PSD, CDS e PPM, apoiada por um acordo de incidência parlamentar que conta ainda com o apoio dos deputados da Iniciativa Liberal e do Chega.

Era assim confirmada, mais uma vez, a importância reconhecida à alternância democrática na governação dos povos que o regime democrático consagra.

As reacções, porém, à aceitação do apoio do Chega a este novo governo, não se fizeram esperar. A maior sentiu-se do lado do PS, com ataques vindos desde o secretário geral e primeiro-ministro António Costa, até ao presidente da Câmara de Lisboa Fernando Medina e ao mais recôndito presidente de junta cá da terra e outros forasteiros recém chegados que, pretendendo marcar presença, acusam o PSD, e até o seu vice-presidente André Coelho Lima, de terem vendido a alma ao diabo.

Em bom rigor, aquilo que parece ressaltar das reacções havidas, não será tanto a preocupação do contágio que venha a ocorrer ao PSD, ao CDS e à democracia mas, antes sim, o sentirem que uma geringonça, agora à direita, possa pôr fim a uma eventual eternização do PS no poder.

Apesar de nos encontrarmos a atravessar tempos profundamente conturbados, com esta pandemia a pôr em causa hábitos que considerávamos intocáveis, tenhamos esperança e pensemos nos nossos antepassados que conseguiram ultrapassar momentos bem mais difíceis e sem os instrumentos que a ciência, também por eles desenvolvida, agora nos proporciona.
Boa saúde para todos
Guimarães, 17 de Novembro de 2020
António Monteiro de Castro

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