Da regressão civilizacional (II) “GOTT IST TOT”



Famosa e citadíssima proposição, para consigo, de Zaratustra quando se separou do “velho de cabelos brancos” que residia no bosque

e antes de chegar à cidade, aonde anunciou ao povo o “Ubermensch”.

Frase a que Nietzsche atribuía um carregado sentido conclusivo, que, sem ser original e até por ele já antes adiantada, no entanto e por o seu estar em tempo propício, perfilava-se já no crescente clarear de um nascente que ia sendo visível em acrescida resolução. Assim e sem ir rebuscar antecedentes provindos da antiguidade clássica (p. ex.: Demócrito) que nos, a nós europeus, trouxeram até esses fins do século XIX numa crescente afirmação da concepção cosmológica (entendida na máxima amplitude de o existente). De a civilização europeia e desde essa antiguidade clássica, passando pelo Renascimento e pelo Iluminismo, se ter vindo a cientificar; a cada vez mais encontrar no cosmos as explicações para o todo deste e para cada singularidade dele, num recente desdobrar de ramos de saberes que as especialidades avolumam. Tendo vindo, assim e nesse seu percurso, sucessivamente, a dessacralizar mitos e explicações (recorde-se o episódio de Galileu) que, progressivamente e numa velocidade sempre potenciada, foram afastando interpretações idealistas do mundo. Mesmo em matéria de condutas sociais e até nos seus aspectos éticos; com, inclusivamente, repercussão no próprio campo do comportamento individual. Inflexão, a deste anterior período, que, sem ir mais longe e na lembrança comparativa para este jardim de brandos costumes do que ressuma das constituições sinodais, torna evidente que os princípios que orientaram a Revolução Francesa e a respectiva Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, paulatinamente, foram alimentando a nossa sociedade: a nossa cultura europeia. E que, nessa gradual evolução, no pós-45, acabaram por se concluir na cada vez mais relevante Declaração Universal dos Direitos do Homem.

O que, portanto, dessa longuíssima jornada das sociedades europeias e neste aspecto se pode sintetizar é que, actualmente, a justificação dos princípios que enformam essa Declaração Universal, e correspondentes deveres, decorrem e tem a sua razão de ser na única qualidade de se ser humano e constituem um conjunto de preceitos conducentes a uma sociedade global pacífica e de pessoas iguais, livres e solidárias.

Como nota que isso situa, talvez não seja despiciendo recordar o que Bento XVI escreveu na mensagem para o Dia Mundial da Paz, de 1 de Janeiro de 2007 e que reza assim: “Tal declaração é vista como uma espécie de compromisso moral assumido por toda a Humanidade. Isto encerra uma verdade profunda, sobretudo se os direitos humanos descritos na Declaração são considerados como detentores de fundamento não simplesmente na decisão da assembleia que os aprovou, mas na mesma natureza do homem e na sua inalienável dignidade de pessoa ...”.

Reentrando na calha da oração interrompida, a essência originária desses Direitos do Homem como apenas dele decorrentes assenta no princípio primário da liberdade e igualdade de cada indivíduo em dignidade, em direitos e na solidariedade para com os outros; os seus corolários, detalhados nos 29 artigos que se seguem a esta afirmação, são o mero reconhecimento e aplicações extensivas dele aos vários campos da vivência social. Sem caber aqui pormenorizá-los, até porque hoje são de fácil acesso, o que se deve dizer é da sua suma importância e destapar as constantes, no mínimo, distorções com que os Estados os vêm ofendendo.

Ora, se esses direitos assumidos unanimemente por os Estados eram, eticamente, o cume da concepção de uma humanidade melhor e resultado dos horrores de uma guerra iníqua, não se pode compreender, nem permitir sem reacção, que várias décadas depois, mesmo que sem os optimizar, se façam deles letra morta; pior ainda, que frequentemente se os espezinhem. E essa imperiosa luta cívica passa por o seu conhecimento, por a sua adopção e pela reconquista daqueles valores que a civilização europeia almejou atingir.
É que há princípios que não se podem perder e tanto assim é que, na coincidência de um paralelismo, a própria Igreja Católica está a inflectir na recuperação do evangelho (a boa nova) e a acentuá-la (atente-se na recente encíclica Fratelli Tutti).

Fundevila, 10 de dezembro de 2020


terça, 05 janeiro 2021 09:41 em Opinião

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