A quaresma e a pandemia

O período quaresmal que teve início na Quarta-feira de Cinzas, celebrada no passado dia 17 de Março, e que se estende até ao dia de Páscoa no próximo dia 4 de Abril,

assume, neste ano, características especiais, por decorrer em tempo de confinamento imposto pelo estado de emergência pandémico.

Para os cristãos de todo o mundo constitui, desde sempre, o mais importante tempo do ano litúrgico, aquele em que são especialmente convidados à conversão interior e à purificação espiritual através, sobretudo, da oração, do jejum e da misericórdia.

Logo nos primeiros dias da quaresma foram ouvidas, mais uma vez, as palavras da profecia de Joel: “Convertei-vos a mim de todo o coração com jejum lágrimas e lamentações. Rasgai os vossos corações e não os vossos vestidos. Convertei-vos ao senhor vosso Deus porque Ele é clemente e compassivo paciente e misericordioso, ....”.

Ouviu-se também o Senhor, pela boca de Isaías: “O jejum que me agrada não será antes quebrar as cadeias injustas, desatar os laços da servidão, pôr em liberdade os oprimidos, destruir todos os jugos ? Não será repartir o teu pão com o faminto, dar pousada aos pobres sem abrigo, levar roupa aos que não têm que vestir e não voltar as costas ao teu semelhante?”.

Assim como se ouviu também a conhecida profecia de Jonas, que chamou à conversão a população da grande cidade de Nínive, próxima da atual cidade de Mossul, no Norte de Iraque, há dias objecto da corajosa visita pelo Santo Padre, o Papa Francisco.

Do Novo Testamento sobressaíram textos realçando a importância da misericórdia, como a “parábola do filho pródigo”, ou a cena do “perdão ao servo devedor”, ou a resposta de Jesus a Pedro sobre o número de vezes a perdoar ao irmão: “não sete, mas setenta vezes sete”.

É o tempo em que as celebrações litúrgicas acompanham os passos da Paixão de Cristo recordando, de forma especial, momentos dolorosos como a agonia de Jesus no Horto das Oliveiras, a flagelação, a coroação de espinhos, a caminhada para o Calvário e a morte na Cruz, culminando com a Ressurreição no dia de Páscoa.

Neste ano, tal como no ano passado, todas as ricas cerimónias habitualmente promovidas pelas diferentes irmandades e confrarias têm vindo a ficar, mais uma vez, sem concretização, coartando assim uma vivência religiosa e cultural que a todos empobrece.

Esperançados, entretanto, numa vacina que tarda em dar resposta à maioria da população, vamos vivendo confinados e amedrontados, com o quotidiano tolhido e sujeito aos constrangimentos impostos: avós, pais, filhos, netos e amigos fisicamente separados, carinhos e afectos ausentes, escolas e comércio fechados, cerimónias comemorativas canceladas, espectro de crise económica e social no horizonte próximo, desemprego a subir, apesar das medidas atenuantes adoptadas pelos estados. A fome a bater à porta de
muitas famílias apanhadas desprevenidas nesta tempestade da natureza.

Saibamos aproveitar estes momentos de confinamento e de provação para nos libertarmos das grilhetas mundanas que humanamente nos diminuem ou anulam e que, ouvindo e lendo os ensinamentos dos textos bíblicos, os saibamos escutar e nos ajudem a questionar e corrigir nossos gestos, nossas atitudes e nossos comportamentos.

Tenhamos a força de interiorizar o ensinamento da corajosa viagem papal ao berço das três religiões monoteístas, e atender às suas palavras: “a hostilidade, o extremismo e a violência não nascem num coração religioso: são traições à religião. Nós os crentes, não podemos ficar calados quando o terrorismo corrompe a religião; somos chamados a afastar, sem ambiguidades, quaisquer mal-entendidos. Não deixemos que a luz do céu seja coberta pelas nuvens do ódio”.

Que a tradicional prática penitencial desta quadra, constituída pela oração, pelo jejum e pela esmola, transforme o nosso coração e o nosso espírito e nos proporcione uma preparação espiritual adequada a podermos, em dia de Páscoa, ressuscitar com Cristo Jesus nosso Salvador.

Boa Páscoa para todos.

Guimarães, 8 de Março de 2021
António Monteiro de Castro

terça, 09 março 2021 15:01 em Opinião

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