A Páscoa, o confinamento e o futuro



1. Hoje, segunda-feira de Páscoa, dia habitualmente reservado à continuação do tempo festivo Pascal, é o primeiro dia da segunda fase do desconfinamento imposto pelo

agravamento da pandemia ocorrido nos primeiros dias do ano e que atingiu um dos valores mais altos do mundo em termos de novos contágios por 100.000 habitantes.

Na verdade, de tal confinamento resultaram muitas limitações, de entre as quais, a não existência dos habituais “Compassos Pascais” que levam a mensagem de Cristo Ressuscitado, casa-a-casa, percorrendo todos os caminhos e lugares de cada aldeia, por mais recônditos que eles sejam.

No passado, as Visitas Pascais eram presididas pelo próprio pároco, acompanhado pelo homem da Cruz, ornamentada com lindas flores naturais; pelos acólitos responsáveis pela campainha anunciadora, pela caldeira da água benta e pelas sacas de esmolas para são Pedro e São Paulo; e ainda pelo responsável pela recolha do folar do pároco. Normalmente, eram recebidos na sala principal da casa onde se encontravam presentes todos os elementos da família e amigos sendo, em algumas delas, servidas as melhores iguarias e doces da região.

Por vezes, nas grandes paróquias, os párocos eram apoiados por seminaristas em fase final da formação teológica, que presidiam aos compassos, chegando também a ser necessário prolongar a Visita Pascal pela segunda-feira ou pelo domingo seguinte, também designado por domingo de pascoela.

Pelo segundo ano consecutivo, não puderam os portugueses, nomeadamente os da região norte, onde tal tradição se vem cumprindo ao longo dos tempos, viver esse momento de grande alegria que é receber Jesus Ressuscitado simbolicamente presente na Cruz ornamentada, dada a beijar a todos os elementos da família.

2. Apesar das ameaças da chegada de uma quarta onda, já pressentida em alguns países da europa, como França, Itália e Alemanha, que recorreram a novo confinamento, Portugal parece estar a funcionar em contra-ciclo, vendo os serviços hospitalares com muito menos internados e os cuidados intensivos, praticamente reduzidos a uma centena de casos.

Sendo hoje o primeiro dia desta segunda fase de desconfinamento, deu-se a abertura das escolas para os segundo e terceiro ciclos; a abertura das esplanadas, das lojas comerciais, dos museus, dos ginásios etc. ficando, para meados deste mês, a avaliação do impacto epidemiológico do efeito simultâneo da Páscoa e do desconfinamento e que irá definir se o país avançará ou não, no dia 19 de Abril, para uma terceira fase de desconfinamento.

3. Apesar de estarmos a viver uma verdadeira primavera, com um tempo magnífico, a convidar o contacto com o exterior, com a natureza e com os amigos, o horizonte apresenta-se com algumas nuvens negras que deixam preocupação. Seja o atraso no processo de vacinação em Portugal e em toda a Europa por falta de vacinas, em consequência de má decisão dos responsáveis europeus; seja a debilidade em que se encontra uma parte significativa do tecido económico português, que se poderá manifestar, de modo especial, com o fim das moratórias de créditos, na ordem dos 45,6 mil milhões de euros, a atingir milhares de famílias e empresas e que poderão vir a empurrar a banca, em parte desses mesmos créditos, para uma situação de crédito mal parado; seja, sobretudo, o elevadíssimo nível de endividamento do país que ultrapassa já 130 % do seu PIB.

A somar a estas nuvens negras, constata-se agora que o dinheiro da tão famosa basuca europeia, oxigénio fundamental para o Estado poder cumprir os compromissos já assumidos, terá que ultrapassar ainda alguns empecilhos, como o da autorização do tribunal constitucional alemão, para a mutualização da nova dívida europeia.

Se nos lembrarmos do sofrimento que o país atravessou por falta de crédito nos mercados internacionais quando ficou sujeito às condições impostas pela troika, chamada por José Sócrates, faz amanhã dez anos, e que nos salvou da bancarrota, teremos que ficar deveras preocupados e perguntar que medidas e reformas foram introduzidas no nosso país para que situação semelhante não se volte a repetir. Infelizmente, tudo parece continuar na mesma. O Estado continua a engordar, metendo-se em aventuras próprias de gente pouca madura e dominada por preconceitos ideológicos.

Depois da reversão do horário de trabalho do funcionalismo público para as 35 horas, a tal medida que o ministro Mário Centeno dizia não ter aumento de custo para o Estado – como se fossemos todos analfabetos e não soubéssemos fazer contas - e que contribuiu também para a catástrofe do Serviço Nacional de Saúde; depois do triste exemplo da reversão da privatização da TAP, e mais tarde a intervenção do impetuoso ministro Nuno Santos, afastando os privados conhecedores do negócio e transferindo para todos nós, contribuintes, a responsabilidade que a eles cabia, e que nos deverá exigir uma injecção próxima dos quatro a cinco mil milhões de euros; temos agora, a situação replicada, com nova intervenção na Ground-force.

Observando uma grande mancha do sector económico paralisada há vários meses em consequência da pandemia, associada a uma gestão meramente reactiva do país, não pode deixar de ser grande a apreensão em relação ao futuro.

Oxalá não se confirme.

Guimarães, 5 de Abril de 2021
António Monteiro de Castro

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