A patinar?

Alguns de os, e não só, da geração da 2.ª Guerra Mundial que ainda persistem, vão presumindo de que o pulsão da evolução social entrou a patinar. Vozes essas que, provindas de diferentes quadrantes

, clamam essa circunstância em tom cada vez mais agudo, num crescendo de intensidade e quantidade.
Conflito geracional?

Talvez sim, talvez não, ou não apenas.
Situemos!

Com início em tempos anteriores, mas principalmente a partir da 1.ª Grande Guerra, da superação das sequelas da Grande Depressão de 29 e sobretudo da já referida 2.ª Guerra, por diversas causas profusamente apontadas e estudadas, o incremento da mão de obra feminina foi, no decurso dos anos que se lhes seguiram, aumentando numa progressão que, nas sociedades mais industrializadas, conduziu aos níveis de regra na sua empregabilidade contemporânea. Esta introdução massiva das mulheres no mercado de trabalho teve repercussões na estrutura mais que milenar dessas sociedades, por as alterações que provocou na essência e fundamento das suas células base: as famílias éticas (Sir Paul Collier). Quase a par deste fenómeno outro ocorreu posteriormente e que consistiu, por causas igualmente apontadas e estudadas, na cada vez maior e descomunal concentração urbana. A que se juntou, mormente a partir de meados do século passado, um sucessivo e sempre mais ampliado exacerbamento de afirmação de os direitos individuais. Alicerçados, estes últimos, na noção imperante de realização pessoal e na correspondente sua auto-satisfação; sobrepondo-se, assim, às outrora muitas motivações favoráveis a obrigações colectivas.

Interrompendo o discurso visado, como nota não de todo a despropósito por proveniente da mesma fonte ideológica, atente-se em algumas das especiosas regras para o bem-estar animal que se têm vindo a introduzir em ordenamentos jurídicos (aliás não extensivas a todos os dotados de sistema nervoso central), por comparação, por exemplo e restringindo, com os milhões de mortes anuais de crianças por subnutrição, doença por falta de cuidados ... e por aí fora. Sem se pôr em causa a desumanidade para com animais, o que ocorre ponderar é se a espécie homo sapiens sapiens não merece igual tratamento e se o dever de solidariedade para com os nossos irmãos com comprovada identidade genética comum (Fratelli Tutti), não imporiam uma, ao menos similar, atenção e não o acostumado assobiar para o lado.
Adiante!
Retomando a oração inicial, as três situações aí mencionadas são umas das muitas que podem fundamentar a sensação de o a patinar; além de não passarem de consequências de outras superiores e antecedentes que se relacionam com o próprio sistema capitalista vigente. Sempre sem esquecer que, e mesmo no presente, há enormes disparidades entre as diversas sociedade que subsistem no planeta, indo de primitivos clãs, ou tribos, de alguns lugares, às das grandes áreas metropolitanas e às das megalópolis, permissivas estas duas derradeiras , e criadoras, de especializações cada vez em maior número e sempre mais qualificadas. Sempre, também, sem esquecer a realidade insofismável de o efeito borboleta sobre tudo que é (que não se restringe apenas à teoria do caos, ao crer-se o Universo como um todo contíguo, contínuo e provido de uma dinâmica sequencialmente consequente; em que as comuns concepções humanas de tempo e espaço não passam disso mesmo –eis aí o chato enlaçamento quântico-, de idealizações incompatíveis com, nele, a sucedência de, apenas e tão só, diferentes concentrações de partículas massivas ou que o, ou quase, não são, a ocorrência de energias e, sobretudo, da desconhecida matéria negra). Entretanto e para as sociedades ocidentais, ou que se assemelham, aqueles três motivos podem ser a face mais visível do que se nos patenteia e permite a interrogação do título.

Antes ainda de se concluírem as premissas, cabe compreender que a Terra e a biosfera são processos materiais em tudo o que os constitui. Ou seja e voltando ao entre parênteses do parágrafo anterior, o Universo como processo global, no pós big-bang, foi-se expandindo em infindos e sucessivos sub-processos massivos complexos e que podem ser apercebidos, neles, como se fossem singulares (da partícula ao átomo, ao elemento, à galáxia, ao buraco negro, à estrela, ao planeta ... ao animal). E a nossa própria espécie não é mais do que uma cadeia contínua de sequencialidades consequentes, por o afloramento de cada um de nós resultar da conjugação de núcleos de gametas dos seus progenitores no zigoto e que, posteriormente e criado este, por sua vez, acasalando, irá proporcionar o prosseguimento dela. É, pois, o conjunto desses desenrolares que se entende por evolução em quaisquer das suas dinâmicas.

Posto isto, duas coisas ainda: a primeira é de que qualquer processo evolutivo biosférico, em regra, desenrola-se, segundo a noção humana de tempo, em lentidões imensas, numa, digamos, fraca progressão aritmética, enquanto, no presente, a ciência e tecnologia têm-se demonstrado tocadas por uma, digamos também, progressão geométrica crescente (duas velocidades, portanto e não obstante, as intervenções das segundas em percursos da primeira); e a outra é a de que, quanto mais se avança nas especializações, nos saberes especializados, como regra igualmente, mais se desleixa a cultura e, com isso, vão-se marginalizando os valores humanos que o todo daquela faculta.
Com este desenho e porque não se antevê uma qualquer substancial evolução do homo sapiens sapiens, ou se conhece outra espécie biológica que o possa suplantar, ocorre questionar se o desenvolvimento da inteligência dita artificial e da robótica, com as sociedades de que vimos tratando a braços com a crise estrutural na sua base e afundada em especializações que aproximam os humanos de robots, num prazo futuro que pode não estar muito distante, a evolução terrena não aponta para a nossa sucessão por estes últimos.

Fundevila, 14 de Julho de 2021


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