A Jorge Sampaio

Perante uma morte recente tudo o mais se relativiza.


É verdade que, apesar dela, “a vida continua”, como tantos de apressam a dizer, mas não o é menos que são muitos os casos em que, perante uma morte, a vida não mais corre igual ao que era.

Apesar de sobre Jorge Sampaio já se ter dito o que de melhor e da melhor maneira poderia dizer-se, e escrevendo o que escrevo quando ainda se não apagaram os ecos das palavras, dos sons das melodias e dos aplausos populares, que fizeram das cerimónias fúnebres daquele Homem a mais sublime homenagem à pessoa exemplar e ao homem de estado excecional que foi em vida, nenhum outro acontecimento me motiva à escrita.
Jorge Sampaio foi-me revelado poucos meses faltam para que se completem 60 anos sobre a crise académica, crise já então larvar mas que, prolongando-se, com mais ou menos intensidade por todos os anos 60 do século passado, que eclodiu, com fragor, em 1962, tendo como causa próxima a proibição, pelo governo ditatorial que era o de então, de celebração do Dia do Estudante pelas academias das três únicas universidades à época existentes: de Lisboa, do Porto e de Coimbra, sendo nesta que eu ingressara em Novembro de 1961.

Faço, pois, parte daqueles que, incluindo os próprios, se consideram parte ativa da chamada geração de 60 e se apodam “a malta de 62”, como refere o documento de homenagem ao Presidente recém-falecido publicada no “Público” de hoje, intitulada «Jorge Sampaio e a “malta de 62”», cujo primeiro subscritor é Adalberto Casais Monteiro.
Também eu, nessa época, senti a hábil, serena, eficaz e corajosa liderança de Sampaio, enquanto líder estudantil, pese embora nunca ele se ter assumido como tal, atributos aqueles que, quem perante o seu féretro o homenageou, não deixou de realçar ter manifestado durante toda a vida.
Por profunda discordância do rumo imprimido pela direção nacional do Partido Socialista nos tempos da primeira Câmara Municipal eleita, em que fui vereador por aquele partido, assumi a dissidência, desfiliei-me do PS e renunciei aos cargos que desempenhava no Partido e no executivo municipal, tendo sido a adesão de Sampaio ao PS, em 1978, que, em virtude do seu pensamento e das suas capacidades enquanto político, me levou a retomar a minha filiação.
Do seu fino humor refiro o momento em que pessoalmente nos conhecemos em 1980, na festa de casamento de uma prima minha com um primo e afilhado dele; Jorge Sampaio sabia já da existência de um Mota Prego como militante ativo do PS, com um percurso algo contestatário e nessa época de novo membro de um dos órgãos superiores do Partido. Conhecia-me, creio, já a fisionomia, mas não a ligava ao meu nome, ao contrário de mim que, como resulta do já relatado, já conhecia bem quem e como era ele.

Cheio de vontade de me dar a conhecer ao já ilustre convidado, familiar do noivo e recém afim da noiva, decidi não o fazer senão já bem depois do início da boda. Chegado o momento que tive por adequado, aproximei-me dele e olhei-o de frente, ele retribuiu-m com um sorriso simpático, como era seu timbre, e, detetando na minha aproximação algo de intencional, profere – Não me diga que você é o tal… . De imediato compreendi o que ele queria dizer e respondi-lhe que sim, ao que ele retorquiu textualmente – E só agora se dá a conhecer?! Desde o princípio que estou a olhar para esta multidão de Pregos e a perguntar-me vezes sem conta qual deles seria você.
Da conversa encetada que se prolongou até que nos retirámos, nasceu uma empatia que muitas e diversas vezes tivemos ocasião de mutuamente nos manifestarmos.
Da coragem política que todos os que a propósito do seu falecimento disseram ser a sua, vivi um dos momentos marcantes dela reveladores quando, em 1989, sendo ele Secretário Geral do PS e cabendo-lhe designar candidato do Partido à Câmara Municipal de Lisboa, para concorrer contra o principal candidato adversário, o atual Presidente da República, apoiado pelo PSD, pelo CDS e pelo PPM, interpelou os membros da Comissão Nacional do PS para que algum dos seus melhor posicionados elementos, a que chamou “generais”, a que um deles se oferecesse para candidato. Sabendo-se da dificuldade de ganhar a eleição e porque nenhum então se ofereceu, marcou a continuação da reunião para daí a oito dias confiante, como se afirmou, que entretanto alguém assumisse a difícil mas corajosa candidatura. Na continuação da reunião, face à retração e silêncio que todos os “generais” mantiveram, disse que, já que ninguém se oferecia, seria ele o candidato, ato este de corajosa militância que foi premiado com a vitória nas eleições.

Jamais esquecerei o ar de vergonha que arvoraram e de reprovação com que foram olhados os tais “generais”, e o demorado, forte e sincero aplauso que a Sampaio foi dispensado por todos os presentes, à exceção dos tais “generais”, que aplaudiram, como não podiam deixar de fazer, mas tímida e embaraçadamente.
Certo da permissão de todos quantos por palavras, ditas ou escritas, o homenagearam, faço minhas as de uns e outros.
Do dito e escrito apenas repito que Jorge Sampaio foi o melhor Presidente da República que Portugal teve, sendo difícil, nos tempos que correm, prever que alguém, no futuro, tanto quanto ele prestigie a política em geral e, em particular, a mais elevada função que desempenhou: não só como Chefe de Estado e representante da República, mas também enquanto rosto da Nação.

Guimarães 13 de setembro de 2021
António Mota Prego
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