«Banana Republic»
Once upon a time ..
Sim, era uma vez um planeta que orbitava uma estrela vermelha nas bordas de uma galáxia: o Wonderland.
Muito tempo depois e ultrapassadas as fases mais primitivas, já com alguma expressão demográfica e sedentarizados, alguns grupos desses seres pensantes e duma espécie já definida, fixaram-se numa parte das margens dum desses espaços líquidos interior e que passou a ser-lhes o our sea. E aí se foram, por milénios, desenvolvendo civilizações distinguíveis, mas que se entrosaram e de certa maneira se encadearam. Não sem que entre elas tenham ocorrido confrontos originados em interesses antagónicos, mormente para estabelecimento de supremacias. E em determinada altura, já mais à frente, uma delas subjugou quase todas as outras, ocupando, e administrando, todo esse our sea e inclusivamente, a norte, indo muito para além dele.
Esta contada situação e para a ela se chegar, e avançar, motivou a necessidade de um conjunto de regras compatibilizadoras das respectivas culturas e da sua condução; da estruturação orgânica e funcional do todo de cada um desses conjuntos, bem como para os contactos com outros externos; que os haviam em diversas latitudes e longitudes. Entretanto e com o andar de centúrias, com uma dinâmica demográfica crescente, a referida estruturação orgânica cometida a uma frágil administração central impôs a obrigatoriedade de envolvimentos pessoais para satisfação de interesses colectivos directos, ou emanados das elites detentoras do poder. Obrigações que se categorizaram como prestações forçadas. E os tempos foram avançando, até que ...
Até que se impuseram os agregados urbanos e o progressivo crescimento da administração pública que, cobrando para essa substituição e melhoria, passou a prestar, em crescendo, os serviços que correspondiam ao interesse colectivo; naquilo que se foi entendendo que o integrava. Prestações que portanto e assim passaram a competir à res publica (ou e sem eufemismos, à coisa do povo, ou, ainda e melhor, à de todos e sem distinções). Ao mesmo tempo que a divisão do trabalho produtivo, numa progressão de razão variável em função da sucessiva gestação de particularidades, com o simultâneo emaranhado desses relacionamentos, impelia, numa proporção cada vez maior e atinente à densificação de especificidades cada vez mais complexas, a uma excessiva elaboração de regras. Regras que a partir de determinada altura, abandonando toda uma anterior tradição jurídica e voltando-se para um mais fácil pragmatismo, enveredaram pela substituição da lei pelo regulamento; pela sempre fácil, arrogante e depois omnipresente listagem.
Mas daí para a frente é que a porca torceu o rabo.
Situação agravada com a sublimação que impulsionou que a res publica virasse Estado e aos poucos, e poucos, aquela se sacralizasse neste. E assim o Estado de mero meio transmudou-se em fim; ou pelo menos passou a agir como se o fosse. E a sua obrigação de cuidar da res publica, o servir, degenerou num gradual servir-se de. Retornou-se assim e também às prestações forçadas que, entretanto, haviam sido totalmente abolidas.
Acontece que por lá, na vizinhança do aludido our sea e confinando com um aberto, e enorme, espaço líquido, tinha nascido uma comunidade que veio a formar um pequeno e pobre Estado que herdou, e exacerbou, as características regionais acima apontadas e que foi crismado de Slumberland.
Esse Estado, sonolento na sua marginalidade e insignificância, a partir de giros recentes, passou a estar ganho, e afoito, na sucessiva utilização do servir-se de os seus súbditos para tarefas que lhe competiam; bem como, ao mesmo tempo, enveredou pela senda de uma diarreia regulamentadora, própria ou de procedência externa . E também por força dessa torrente (consequências da apocrisia), cedo submergiu numa desmesurada burocratite; ademais fortemente centralizada. Ora, pelo primeiro dos aspectos, ao inverso de toda a pretendida evolução tecnológica por ele (o Estado de Slumberland) apregoada urbi et orbi e para qualquer assunto de lana caprina que envolva a sua administração, passou a obrigar, os que dela careçam, a substituir-se àquela em operações que a ela pertencem e que correspondem a saberes seus, ainda que confinados a outros seus parcelares; e que a tecnologia existente permitiria facilmente resolver com o acesso directo entre congéneres. Depois, a predita incomensurável parição de regulamentos e mais regulamentos que, sempre, não conseguem abarcar todas as situações que constituem o seu objectivo disciplinador (dado que e malgrado quaisquer estimações algorítmicas, a dinâmica do real é sucessivamente progressiva em novas complexidades,), pelo que a cadeia dos róis tendeu, e tende, a aumentar em permanência e frequência. E cada vez menos os destinatários, os de Slumberland, têm capacidade para percepcionarem a infinidade de disposições que lhes tutelam o quotidiano; mesmo aqueles que se encontram preparados para essa tarefa sempre mais exclusiva.
E que dizer dos que não auferem desses conhecimentos? Na evidência que esses infindos arrolamentos não conferem uma sapiência inerente a um comum sentir social (senso jurídico), pelo que aquele princípio de que a ignorância da lei não aproveita a ninguém transportou, conduziu-os, a uma arbitrária iniquidade. E à, pela consequente necessidade de a ultrapassar, grande avenida das familiaridades, dos favores e da corrupção; já para não falar de uma espécie de má fé institucional.
Má fé ainda mais concernente no que, por lá, toca à obrigação de fazer chegar aos destinatários declarações de vontade constitutivas de obrigações para eles. Isto sabido como é que, para que um Slumberland fique obrigado para com acto administrativo do seu Estado, seria necessário que ele, esse acto, lhe fosse comunicado; chegue ao seu conhecimento. E como esse conhecimento é inerente ao parto do direito, como norma primária e natural (do jus gentium daquele planeta), a sua prova incide sobre a administração. Ora esta e ao que se conhece, porventura por uma intencional gestão financeira inaceitável, descarta-se dessa obrigação e transmite-a a terceiro; da forma mais simples e sem sequer ter um registo de que a comunicação chegou ao seu destino. Ou seja, estabeleceram, de motu proprio, uma inversão da prova, ou deitaram mão duma presunção legal inexistente. Inconcebível, mas é o que por aqueles lado se pratica sem que os responsáveis reflitam, alterem o comportamento e passem a respeitar o estatuído. Mas pior porque, mesmo tendo o endereço digital dos pretensos obrigados, não os avisam de nada e, na falta de cumprimento atempado da prestação e de imediato, estabelecem um plano de pagamento de três circunvalações, com os respectivos encargos (negócio usurário), que, esse sim, remetem afanosamente para o lembrado endereço digital e que, sem aceitarem e se responsabilizarem pela sua falta, quando questionados pela ilegalidade, ainda admitem poderem fazer o favor de aceitar a satisfação total do que nunca se deveu segundo esquemas impostos. Enfim! É o que por lá se gasta.
Desgraçado Slumberland que, de degrau em degrau, se vai afundado ... vai deslizando para Banana Republic.
Fundevila, 3 de Novembro de 2022