COMO UM FILME DA VIDA

Ao longo das mais de duas décadas em que venho mensalmente ocupando este espaço de “OPINIÃO”, verti muitas reflexões, polemizei matéria de política local

e não só, comentei acontecimentos, enfim, de tudo um pouco, como sói acontecer com os cronistas residentes num órgão de comunicação social.
Aos poucos, e sem praticamente dar por isso, fui privilegiando memórias de vários períodos da minha vida, sobretudo relativos às minhas origens barcelenses e, mais particularmente, à minha vivência vimaranense, já que Guimarães sempre foi a minha terra, pois os meros 18 meses de vida que passei em Barcelos não são suficientes para considerar essa cidade mais do que a do meu nascimento. A tal não obsta o muito tempo de férias que lá passei até que iniciei a minha vida profissional.

Houve, porém, um período da minha vida, que não tenho abordado, apesar da riqueza de memórias que a ele me ligam e que me marcou permanente e indelevelmente, que foi a minha passagem, durante seis anos, por Coimbra.
Aí fiz amizades das mais intensas, particularmente com os colegas de casa e as da tertúlia dos frequentadores da minha mesa de um bar-restaurante então icónico, o “MANDARIM”, que com a mudança dos tempos e das vontades foi perdendo o seu cariz de local de convívio, até ter acabado em anódino e nada convidativo “McDonald’s”.
Terminados os respetivos cursos, os elementos masculinos foram distribuídos pelas várias frentes de batalha militar em que Portugal nesse final dos anos 60 se encontrava envolvido, e os elementos femininos foram-no para a docência em vários estabelecimentos de ensino secundário, pois que, dada a sua formação académica, era esse o mais natural início de vida.
No meu grupo do “Mandarim” se forjaram ou sedimentaram amores que redundaram em casamentos ainda subsistentes, com a exceção dos que, felizmente poucos, morte prematura fez extinguir.
Regressados eles das guerras mais de três anos passados sobre o termo do período coimbrão, constituídos formalmente os casais que Coimbra fomentara, a entrada na vida profissional manteve a dispersão iniciada com a guerra. Até que…
Até que, mais de dez anos após o regresso à vida civil, alguém tomou a iniciativa de nos reunir, o que aconteceu em Viseu onde vivia o casal do grupo cuja casa era suficientemente grande e dotada de generoso jardim, condições muito convenientes ao encontro tal como o projetáramos.
Para tal o jardim foi apetrechado de rulote e tendas de campismo o que fez as delícias da filharada, que ali se alojou, e que fizéramos questão de dar a conhecer reciprocamente. Os adultos dormimos “ao monte”, partilhando os aposentos da casa, fossem ou não eles próprios para dormir, possuídos pelo adquirido espírito dos fabulosos anos 60, facto com o que a criançada delirou, ao ver os maiores, por assim dizer, a eles semelhantes em à vontade e traquinice.
Este encontro ocorreu pouco depois de ter sido lançado em exibição o filme “Os Amigos de Alex” que, em resumo, tem como tema o encontro de vários colegas e amigos de faculdade, há muito afastados uns dos outros, a propósito do falecimento de Alex, um dos do grupo. Nesse encontro relembraram-se acontecimentos, fizeram-se análises, que então haviam ficado em suspenso, de situações vividas, reavivaram-se sentimentos e pequenas quezílias.
Todos víramos o filme e um de nós, senhor de câmara de gravação vídeo, fez uma reportagem do encontro, que mandou reproduzir e distribuir pelos participantes na reunião. Porque estávamos, nós os “rapazes”, já grisalhos e naquela época a TV dava parte, generosamente, da existência de um restaurador da cor primitiva do cabelo, denominado Olex, o autor do vídeo intitulou a gravação como “Os Amigos de Olex”.
Adotámos o nome e desde então, nos nossos encontros, mais ou menos alargados e considerando a atualização do círculo de amigos, passámos a intitular-nos de “Olexes” mas sem esquecer que é diferente ser ou não ser “Olex”.
A ingrata ironia do destino fez com que, passados poucos meses do referido encontro, o nosso amigo dono da casa em que nos reunimos, faleceu, após fulminante e insuspeita doença do foro oncológico.
A reunião seguinte, foi, como no filme dos amigos de Alex, a propósito dessa morte tão tragicamente inesperada, no dia do funeral.
Ao desgosto pela perda, à emoção intensamente expressa ou mais ou menos contida, às lágrimas vertidas e às que, por entupirem a fonte, não chegaram a soltar-se então, para o serem no momento em que apenas se consegue que a completude do sofrimento por um grande, intenso e profundo desgosto, seja solitariamente expressa, a tudo isso se juntou a sensação de indescritível amargura pela vivência da premonição que fora a ligação que, quando o encontro apenas foi feito de travessuras e sonoras gargalhadas, fizéramos com filme que inspirou o nome que, como grupo de amigos, adotámos.

Guimarães, 04 de julho de 2023
António Mota-Prego
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