Guimarães foi elevada a categoria de Cidade há 165 anos por carta régia de D. Maria II

Passam hoje 165 anos que Guimarães foi elevada à categoria de Cidade. A Rainha D. Maria II assinou a respectiva carta régia no dia 22 de Junho, de 1853, ano que parece ter sido bem fadado para as aspirações das gentes. A elevação a Cidade do antigo burgo foi o reconhecimento pelo valor da Terra e pela maneira carinhosa como os vimaranenses a receberam aquando da sua visita, em Maio de 1852.

Os pormenores da deslocação da Rainha aparecem documentados num "manuscrito catalogado pelo canseiroso investigador que foi o saudoso polígrafo João Lopes de Faria", publicado na edição do nosso jornal de 19 de Junho de 1953, por ocasião das comemorações milenária de Guimarães e centenária da sua elevação à categoria de Cidade. A comitiva real preparava-se para seguir em direcção ao Gerês, mas acabou por fixar-se em Guimarães, satisfazendo os desejos da população. O relato dá conta da euforia com que foi recebida.


"Pelas 9h30 da manhã, do dia 15, entraram na vila a Rainha, o Rei, o Príncipe Real e o Infante D. Luís, Duque do Porto no meio do mais frenético entusiasmo de um povo imenso que os acompanhava e vitoriava; no Toural os esperava próximo do Pavilhão Real, a Câmara, o Juiz de Direito, substituto e Ordinário, e mais empregados da justiça e administração e tanto povo que ocupava quase todo o terreiro apesar de grande; as janelas estavam bem guarnecidas de senhoras e colchas adamascadas, e a grande boa uniforme fachada dos edifícios deste terreiro pintada a uma só cor.

Próximo do pavilhão, Sua Majestade desceu do coche e recebeu as chaves da vila que lhe foram entregues pelo Presidente da Câmara, e depois foram suas majestades e altezas recebidas debaixo do pálio e seguiram pela Rua dos Mercadores, que estava bem guarnecida e alcatifada de baeta cor de púrpura no centro e pelos lados de ervas odoríficas, e as janelas apinhadas de senhoras e adamascadas, até à Colegiada, onde foi recebida pelo Cabido com o cerimonial do costume e, em seguida, levantou o chantre o Te-Deum que continuou a ser cantando a acompanhamento de instrumental escolhido dos melhores músicos da Vila, Braga e outros concelhos vizinhos, findo o qual foram Suas Majestades (SS. MM.) e Altezas acompanhados até ao coche pelo Cabido e mais pessoas eclesiásticas e de distinção, como o Conde de Vila Pouca, Visconde d´Azenha, Barão do Costiado, Barão de Almargem, Par do Reino Arrochela, Deputado Martinez da Costa e muitos outros Cavalheiros que tinham assistido ao Te-Deum.
Subiu Sua. Majestade ao coche e seguiu para a Casa de Vila Flor do Exmo Arrochela, a qual estava bem guarnecida e preparada para receber os reais hóspedes, e com legenda que dizia: 'És mais Rainha e mais Soberana/ Levantando o Trono na choupana'.
O povo não cessou de acompanhar os reais viajantes até a entrada do Palácio cujo terreiro durante que SS. MM. ali se conservaram foi mais frequentado que uma romaria das mais concorridas.
À noite, a iluminação foi brilhante e concorrida e a dos jardins do Exmo Conde de Vila Pouca e Arrochela faziam uma linda vista, bem como a Torre de de S. Francisco e obelisco do Toural igualmente as músicas tocaram constantemente.
No Terreiro de S. Francisco, e com vista no centro, um trono iluminado a cera com os retratos de SS. MM. e, aí, seis meninas cantando os diferentes hinos acompanhados de música. O povo demorou-se a ver a iluminação e passando de uma para outras até depois de uma hora da noite.
A iluminação da Rua dos Mercadores, ou Sapateira, (actual Rua D. Maria II) fazia uma linda vista, porque estava colocada com gosto, principalmente na segunda noite.
Na primeira noite, foram por várias vezes diferentes músicas com muito povo tocar à porta do palácio, e as seis meninas que estavam na iluminação do Terreiro de S. Francisco cantaram os hinos (...). Pode-se dizer que nunca andou tanto povo na rua, que veio da distância de muitas léguas.
No dia 16, pela uma hora da tarde, deram Suas Majestades beija mão à Câmara e Cabido, cujo Presidente recitou uma eloquente e breve felicitação a Sua Majestade, que depois se dignou recebê-la por sua própria mão (...), findo o qual foi apresentada a S. M. o Rei uma fechadura que ele muito admirou, e foi chamar a S. M. a Rainha para a vir ver, sendo-lhe também apresentados outros presentes, como foi uma bandeja, almofadada, coroa e ceptro de linha, feita no convento das Dominicanas, e obra que admirou a quantos a viram tanto que S. M. mandou agradecer e perguntar o nome da Freira que a tinha feito.
Às 3 horas e meia da tarde, saíram SS. MM. do palácio, e se dirigiram no meio de entusiásticos vivas, repicar de sinos e fogo que constantemente não tinha cessado desde a chegada de SS. MM. e se dirigiram à Colegiada, onde lhes foi mostrado o tesouro da senhora, paramentos e mais adornos da Igreja, e antiguidades que tudo admiraram principalmente a Cruz grande e a Custódia pelo seu rico lavor e conservação, estranhando que a Pia em que fora baptizado D. Afonso Henriques estivesse pintada; era tanto povo que quando SS. MM. saíram da Igreja dificultosamente S. M. a Rainha pôde subir ao coche, fazendo no semblante um sorriso de prazer e ao povo um motivo para ficar, como ficou, encantado, ouvindo-se involuntariamente demonstrações de prazer.
Em seguida, (...) foram recebidos de baixo do pálio, indo rezar ao Santíssimo, que estava exposto, correndo depois ao hospital da Ordem, e S. M. El-Rei conversou com os doentes (...), louvando o bem aparado e a bela situação e riqueza do jardim, nada escapou à sua perspicácia. Foram dali a S. Francisco, aonde se lhe cantou um responsório próprio, e depois ao Hospital da Ordem, dando na saída algumas esmolas aos pobres, e consta que deixarão ordem para se dar esmolas aos seis conventos de Freiras e recolhidas da Vila, bem como aos entrevados e presos da cadeia, e várias pessoas particulares. Parece que S. M. a Rainha tenciona mandar uma prenda à Sra. da Oliveira, à imitação de seus Augustos Avós Predecessores. Logo q. SS. MM. Altezas sairão de visitar a Igreja de S.Francisco, S. M. a Rainha e os Príncipes se recolherão ao palácio, indo El-Rei ver os quartéis, Largo de Santa Margarida e antigo Castelo, que muito admirou, retirando-se sem visitar o hospital público e outros estabelecimentos. (...)
Houve várias felicitações, como foi da parte da Câmara de Coimbra e Universidade e Câmaras dos Conselhos vizinhos. Os povos do Gerês trouxeram a SS. MM. três cargas de caça morta e sete cabritinhas das bravas que vinham vivas, as quais levam para Lisboa. (...)
Enfim, pelas 5 horas da madrugada subiram SS. MM. na direcção de Santo Tirso, deixando muitas saudades aos povos que a esta visita concorreram."
No ano seguinte à visita feita a Guimarães, a Rainha D. Maria II concedeu a graça de elevar a vila à categoria de Cidade.


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