Famílias carenciadas sem apoios para terapias de menores

Dezenas de crianças com necessidade de apoio terapêutico de famílias carenciadas de Guimarães estão a aguardar pelo apoio da Segurança Social (SS). Há casos de pedidos negados sem explicação aparente.
A denúncia partiu de Bruno Carvalho, director do Instituto de Desenvolvimento de Guimarães, clínica privada que trabalha com estes menores. De acordo com este responsável, mais de 90% dos processos respectivos ao ano lectivo que está prestes a terminar estão ainda sem decisão. As críticas são apontadas à Segurança Social do distrito de Braga. "Os apoios terapêuticos iniciavam-se sempre no início do ano lectivo, pois sabíamos que os apoios chegavam mais tarde ou mais cedo. Antes, demoravam três a quatro meses. A maior parte destes processos eram deferidos, indeferidos ou pediam elementos complementares. Neste momento, a cerca de um mês do final do ano lectivo, estão 5 a 10% dos processos completos. Na semana passada encontrei processos ainda sem qualquer decisão e nem sequer estavam inseridos no sistema. Lembro que neste momento já estão a decorrer os processos de renovação, ou seja, os pais já estão a preparar toda a documentação das crianças que precisam deste apoio. Estão a fazer um agendamento com os médicos especialistas para recolher a documentação, o que significa que a Segurança Social, dentro de um mês, começa a receber a documentação de novos pedidos de apoio e ainda não decidiram sobre o anterior. Isto é incompreensível", alerta Bruno Carvalho.

Os apoios são destinados a crianças que necessitam de apoios terapêuticos em domínios como o atraso na fala, autismo, dificuldades motoras ou atraso no desenvolvimento, de famílias de baixo rendimento.
O responsável sublinha que as clínicas vão prestando estes apoios, correndo o risco de não chegar a ser reembolsados caso a Segurança Social assim o decida. "Cada dia que passa para estas crianças sem apoio é um dia de retrocesso ou o resultado da intervenção terapêutica será menor porque se começou tarde. Aprovar estes apoios em Setembro ou Outubro do ano lectivo seguinte é o mesmo que indeferir. Se as crianças não tiverem os apoios terapêuticos, os pais também não podem ser ressarcidos dos valores. Isto nunca aconteceu e em contactos de outros centros distritais isto não aconteceu. Em Braga é normal. Não é fácil encontrar uma justificação lógica para esta situação", reitera.
Segundo Bruno Carvalho, a SS está a indeferir "muitos processos com base numa análise processual" de uma equipa multidisciplinar "sem ver ou consultar a criança", desvalorizando "a avaliação do médico consultado pelos pais, que realmente viu a crianças, bem como relatórios de terapeutas que acompanham o menor ou relatórios escolares". "A SS consegue fazer algo que ninguém percebe e que o Tribunal está a considerar ilegal, que passa por imitir um parecer a dizer que aquela criança não padece de uma redução permanente que o médico prescreveu, contrariando todos os documentos anexos ao processo. Verifica-se que os professores, terapêuticos e os médicos confirmam o diagnóstico, que em alguns casos foram aprovados de anos anteriores, mas que por magia desapareceu aos olhos daquela equipa da SS com três elementos, em que apenas um é clínico, que chegou à conclusão que está toda a gente enganada", acrescenta.
Ainda de acordo com Bruno Carvalho, neste momento há mais de 60 processos com sentença transitada em Tribunal e a "SS não ganhou um único processo". "São sentenças de juizes diferentes em que o Tribunal considera ilegal recorrer a estas equipas a não ser que se justifique uma falta de documentação que fundamente a decisão. A SS entende que pode chamar esta equipa quando quiser e o Tribunal entende o contrário. Mas mesmo que assim fosse, o Tribunal considera na mesma ilegal porque esta equipa não avalia presencialmente a criança".
O gestor adiantou que passaram pela sua clínica 180 requerimentos que a clínica prestou apoio. Porém, avança que no distrito de Braga são mais de 1.000. "90 a 95% dos processos estão sem decisão e nem sequer aparecem no sistema. Se os pais não tiverem consigo um recibo da entrega, o requerimento não aparece no sistema da SS directa ou num balcão de atendimento, pois não estão registadas no sistema", aponta.

 

Pais descontentes
admitem recorrer ao Tribunal

Edite Cruz, mãe de Eliana, de 7 anos, é uma das famílias afectadas por esta situação. A progenitora não entende a decisão da Segurança Social, uma vez que nunca foi chamada pela instituição para avaliar a sua filha. "Este ano nem sequer aparece no sistema. Ainda bem que temos o comprovativo de entrega. No primeiro ano deu deferido, mas no último ano já deu indeferido. Não entendo a mudança de decisão quando nada mudou e ninguém viu a minha filha. Aliás, a Eliana precisa muito desta terapia e deste apoio uma vez que não tenho condições financeiras. Estamos à espera até hoje. Resta recorrer para tribunal", lamenta.
A filha faz terapia desde os três anos, mas a Segurança Social entendeu que no ano de 2021 deixou de precisar deste apoio. Já o seu processo do ano lectivo referente a 2022 ainda nem sequer está em sistema. "Este problema arrasta-se desde 2020. Já coloquei um novo processo para o ano lectivo. A primeira explicação da Segurança Social foi apontada à Covid. Entretanto, não há novidades nem explicações para a decisão deste processo", afirma.

SS agiliza processos

Contactado pelo jornal O Comércio de Guimarães, a Segurança Social lembra que o Subsídio de Educação Especial é pedido e avaliado para o ano lectivo completo, ou seja, o processo tem início em Setembro e fica concluído, quando deferido, com o pagamento das facturas apresentadas dos serviços prestados.
"Para obter o reconhecimento do direito ao Subsídio de Educação Especial, é necessária a apresentação de declaração médica comprovativa da redução permanente da capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual e do apoio necessário à criança ou jovem com deficiência. Este subsídio depende sempre, como primeira fase de avaliação, de uma declaração do estabelecimento de ensino que a criança/jovem frequenta, que comprove que o apoio requerido não é garantido pelo estabelecimento. Só assim a Segurança Social pode avançar para o respectivo pagamento. Sempre que a declaração médica suscite dúvidas, é feita uma intervenção por equipas multidisciplinares de avaliação médico-pedagógica", lê-se na nota enviada à nossa redacção.
"Face ao aumento de requerimentos, e no sentido de garantir um tratamento mais célere e atempado dos processos, foram reformulados e agilizados os procedimentos. O trabalho da Segurança Social tem sido no sentido de procurar garantir maior celeridade e eficiência em fazer chegar os montantes dos apoios às crianças e jovens que deles verdadeiramente precisam, reforçando, também com esse primordial objectivo de rigor na atribuição do subsídio, a vertente de fiscalização", pode ler-se na mesma nota.
A SS avança ainda que comparando o último ano lectivo completo (2021/2022) com o primeiro da aplicação da medida (2016/2017), verifica-se que em 2021/2022 foram deferidos 24 mil pedidos, mais 77% do que em 2016/2017. Em 2021/2022 foram pagos 41 M€ em Subsídio de Educação Especial, mais 74% do que em 2016/2017.
"No corrente ano lectivo já foram pagos 9.268 pedidos, num valor global de 11.347.675 € enquanto no período homólogo (até maio de 2022) haviam sido pagos 6.158 pedidos, no montante de 7.659.275 €. Verifica-se, assim, um acréscimo de 51% no número de processos pagos face ao período homólogo", lê-se.


Marcações: Segurança Social, apoios

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