Ontem e hoje

Fui aos recôndito da minha memória em busca de acontecimento idêntico a outros que aqui tenho relatado e que, pelos ecos que me chegam, normalmente geram mais

um módico de apreço aos leitores; procurei avidamente, na rádio, TV e imprensa escrita uma notícia que não fosse a repetição enfadonha dela mesma em sucessivos noticiários audiovisuais, apenas áudio, ou apenas visuais como são os que as palavras impressas nos transmitem, tudo isso à procura de tema minimamente original que me inspirasse matéria capaz de despertar a atenção de quem costuma passar os olhos, ou aí os debruçar mais demoradamente, por esta local de “OPINIÃO”.

Mas, por mal dos meus pecados, nada, com tais atributos, se me deparou, pelo que caio na vulgaridade de falar das…eleições.
Posso, ainda assim, dar uma saltada aos primórdios eleitorais em democracia, em que cada ato eleitoral, visto a esta distância, me fazia lembrar as gravidezes de antigamente e os respetivos partos, em que a expectativa sobre o sexo do nascituro apenas ficava saciada no momento em que ao dito, acabado de ingressar no hálito universal, passava a ser chamado de bebé, e deixava de pairar a dívida sobre o nome que à novel criancinha haveria de pôr-se, de entre aqueles que, tantas vezes após acesas disputas, ficaram reservados para o caso de ser menina ou menino, que, nesses casos de disputa onomástica, ao invés de nascer inocente, trazia já consigo o labéu de causa ou origem de zaragata.

Hoje em dia, desde que a técnica para tal passou a ter virtualidades bastantes, poucas semanas após a conceção do futuro membro da humanidade já se sabe se vai nascer menino ou menina, com o que se acabou o encanto da tal expectativa, crescente durante os nove meses da gestação, sendo o ato do parto imediatamente seguido de uma espécie de epifania, a revelação do sexo do anjinho, como se dizia das criancinhas sem ou com rudimentar discernimento, sobretudo quando ocorria a infelicidade do seu falecimento – mas apenas se batizadas, caso em que lhes estava assegurada a entrada no Céu, pois, se não fossem batizadas, o lugar que lhes era atribuído era o Limbo, espécie de lugar nenhum em que nada acontecia, nem de bom, nem de mau, nem sequer de esperança como era o lugar chamado de Purgatório em que, após mais ou menos demorada purga, a alma ali provisoriamente implantada era ejetada para a felicidade da companhia de Santos, de Anjos, de Arcanjos, de Serafins e de Querubins (admito que a hierarquia não corresponda à ordem de nomeação, o que não é intencional mas sim fruto de ignorância, sobretudo de quem “ainda por cá anda”).
Em resumo: uma ecografia logo ao início e já está!
Assim acontece agora com as eleições: às noitadas de antigamente em que só aos pingos se ia sabendo qual a posição relativa dos partidos, chegando a haver intervalos entre o anúncio dos resultados que iam caindo, em que cantores, cantoras, conjuntos musicais (nomenclatura de então para o que atualmente se chama de bandas) ajudavam a passar o tempo e a suportar a excitação da ignorância do resultado final do partido da militância, da preferência ou apenas da simpatia do ou da expectante, a essas noitadas, dizia, substituiu-se o conhecimento imediato, no milésimo de segundo após o encerramento das urnas, de quem vai ganhar a eleição, substituindo-se o entretenimento de outrora até ao resultado final pela curiosidade sobre qual a votação que receberão os demais concorrentes à eleição e, quando muito, quantos deputados elege o ganhador assim como quantos aqueles que poderão ajudá-lo a governar.
Nos tempos que correm, assim como não é garantido que quem nasce rapaz e quem nasce rapariga, como rapaz ou rapariga decorra toda a sua existência, também nada garante que o partido ganhador seja o que usufruirá das vantagens dessa vitória, assim como se não conhecem a que ventos ficará sujeito o que ganha mas sem alicerce suficiente para, sem concessões, aguentar as ventanias provenientes das mais variadas latitudes.

Daqui resulta que nem tudo do que “era” dantes tenha deixado de ser atualmente.
É o caso da roupinha, que, naqueles tempos de incerteza quanto ao fruto da gestação, havia que se ter da cor azul e da cor de rosa, também agora o Sr Presidente da República há de estar preparado com “roupa” de todas as cores, desde o encarnado vivo até ao azul celeste de bom tempo, para vestir um governo cuja cor à partida não saberá qual seja e, ainda que saiba, desconhece se, a dado momento, não irá, durante a sua vida, alterar o sexo com que nasceu para um outro de entre o vasto cardápio de tendências oficialmente reconhecidas ou em vias de o serem.
Tudo me leva a crer que, durante a vida do governo que nascerá da relação entre o partido recentemente vencedor e o eleitorado que o elegeu, nenhum sobressalto ocorrerá, antes medrará, dará frutos de que Portugal beneficiará e se finará apenas no tempo previsto para que tal aconteça.
Ámen!

António Mota-Prego
Guimarães 01 de fevereiro de 2022

(Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.)


Imprimir Email