Gualterianas

As Festas Gualterianas existem desde 1906, ainda não com esse nome, o que viria a acontecer apenas em 1908, e corporizam a vontade de institucionalizar

um grande evento citadino para Guimarães que substituísse com nível as decadentes Feiras de São Gualter. No início do século XX e sob a égide da Associação Comercial e Industrial de Guimarães (ACIG), presidida por João de Melo, confluem um conjunto notável de vontades, de imaginação e de uma dedicada apetência pela causa vimaranense que são capazes de criar umas Festas da Cidade com brilho, organização e um conjunto de números que se enraízam e chegam até aos dias de hoje. Homens ilustres como José Luís de Pina, Abel Cardoso, padre Gaspar Roriz, entre outros, com a colaboração e árduo trabalho dos empregados do comércio de Guimarães, criam as bases de umas Festas da Cidade que perduram até hoje.

É logo na segunda edição que a Marcha se impõe. Naquela altura designada ainda por Marcha Milaneza, em tributo à famosa marcha luminosa que havia abrilhantado a Exposição Universal de Milão de 1906. A Marcha Gualteriana é, até aos dias de hoje, um número incontornável das Festas e aquele que mais interesse desperta e que move, ainda agora, o trabalho de tantos e tantos vimaranenses, nomeadamente os seus obreiros que, a partir de 1963, têm a sua Casa da Marcha. Outros números importantes como as Feiras Francas, a Batalha das Flores, o Cortejo Histórico, a Procissão de S.Gualter, a Tourada, entre outros, vão tendo intermitências em função dos usos e costumes, ou mesmo das disponibilidades, mas a ausência da Marcha foi sempre o mais claro sinal de que qualquer coisa não vai bem nas Festas. E houve muitos anos em que a Marcha não se realizou por questões económicas ou sociais, de equipamento e organização. E sempre que isso aconteceu as Festas perderam grande parte do seu brilho.
Este ano de 2020 vai também ficar na história pela ausência das Festas Gualterianas tal qual as conhecemos. E desta vez porque um maldito vírus nos impede de estar juntos.

No meio de tantas e tão prestimosas colaborações de instituições concelhias com as Festas, de espíritos tão nobres e laboriosos que lhes deram aura e prestígio, a Muralha, associação de Guimarães para a defesa do Património, deu também o seu contributo e a elas se associou com uma exposição anual. A primeira foi precisamente em 1984. Neste ano essa colaboração irá manter-se num modelo de Festas muito diferentes face à pandemia. A exposição que nos últimos anos tem ocupado espaços como a Penha, o Guimaraeshopping, o Museu de Alberto Sampaio, o Paço dos Duques ou o Laboratório da Paisagem, terá que forçosamente ocupar o espaço público aberto. E é no Toural, um local muito difícil para se expor, que a Muralha foi desafiada para continuar a sua colaboração com as Gualterianas.

O tema da exposição será: os Cartazes das Gualterianas. Nos cartazes das Festas reflete-se a importância do evento ou a sua circunstancial pobreza. Reflete-se ainda a importância dos cartazes enquanto poderoso meio de comunicação que era afixado na nossa cidade e nas cidades vizinhas para anunciar e chamar a gente a que nelas participassem. Destacam-se naturalmente os cartazes desenhados por José Luís de Pina (1906 a 1915 e 1923), mas também outros de artistas vimaranenses como José de Guimarães, Mário Cardoso, António Lino, Vasco Carneiro, Mário Dias, entre outros, que contribuíram esteticamente para a história das festas através do seu desenho. E selecionaram-se também cartazes mais pobres – não muitos – que refletem alguma ausência de cuidado e brio no anúncio das Festas da Cidade. Inaugurar-se-á a 31 de julho.

As Gualterianas são, desde o seu início, um palco de acaloradas discussões. Essas discussões mantêm-se até hoje. Agora muito centradas na divisão entre aqueles que acham que as festas devem ter as barracas e divertimentos no coração da cidade e outros, como eu, que acham, desde há muito, que deveríamos dar um passo no sentido de garantir um espaço público de qualidade e não sujeito a pressões que a desfeiam e descaracterizam. A cidade é, por si só, o cenário ideal que não deve assaltada por equipamentos sem cuidado nem qualidade, mais próprios de um lugarejo do que de uma cidade património cultural da humanidade. Este ano difícil, de pausa forçada, é aliás um bom ano para refletirmos no que têm sido as festas e naquilo que queremos que elas sejam. Essa é a melhor forma de dar algum sentido à adversidade que hoje nos afasta.

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