Da democracia representativa

A nossa Constituição da República ao institucionalizá-la, fê-lo, no que concerne ao continente, em dois níveis: o, digamos, central e o local (este subdividido em três: o regional,

o municipal e o das freguesias).
Na alguma similaridade da práxis do que, in globo, corre por esse mundo fora independentemente da população e área dos Estados. A qual prática local, na Europa e como dela excluídos, se reduz a dois ou três países; ou seja, Portugal é, na sua total efectivação, uma dessas raras excepções.


Feita esta como que rememoração, convém acrescentar que, por cá e na permanência das, ultimamente, CCDR (antes CCR e já provindas das CP da ditadura), a regionalização, sucessivamente e não obstante ser um elo fundamental da oficialização da representatividade, têm vindo a ser desfeiteada, por forma a impedi-la nos termos em que a lei fundamental inicial (a de 1976) a estatuiu. Assim e no mais significativo da sua definição primeira, começou-se por eliminar a necessidade de coincidência das suas áreas com as do planeamento, para, posteriormente, se eliminar o Conselho Regional e, finalmente, se impor a obrigatoriedade de um referendo que, na verdade, quase que, senão mesmo, tornou impeditiva a sua concretização; não obstante as CCDR continuarem a funcionar sobre espaços perfeitamente delimitados e na dependência do Governo. Espaços esses que bem poderiam ser a configuração das democráticas a instituir, ainda que sujeitos a acertos que se viessem a mostrar necessários e correctores dos critérios que motivaram as que estão.

Ora, como a nossa democracia se baseia na vontade popular, na soberania popular e reside no povo que a exerce segundo as formas previstas na acima citada lei primeira, parece estranho que se cape uma representatividade tão essencial como a da total implementação da pirâmide da nossa organização política, por forma a aproximar os cidadãos, fazendo-os participar, daquilo que são alguns actuais órgãos da administração pública que gerem o seu presente e futuro. Ou será que não se quer compreender que a representatividade democrática é, e carece de, envolver o maior número daqueles nas decisões que lhes dizem respeito conquanto conjuntos locais circunscritos como são as regiões (numa tentativa da redução participativa, como inclusivamente já se verificou e ouve-se para um órgão de soberania; ou até nas atribuições personalizadas em desfavor de colegialidades)?

Portanto, nas regiões, o poder que pertence ao povo claudica e, julga-se, o interesse público sucumbe perante o das cúpulas de alguns partidos (por avessas a perderem as rédeas da autoridade a que ascenderam e querem manter a todo o custo), bem como, igualmente, o dos lóbis que àquelas lhes são próximos, sejam eles políticos, religiosos, maçónicos, económicos ou profissionais. Sem esquecer, ainda, o funcionalismo público concentrado na capital e que, malgrado os seus justos direitos, constitui um óbice difícil de ultrapassar e que não se quer afrontar, como recentemente se viu com a tentada ida, para o Porto, do INFARMED. E, ainda e não menos preponderante, o afunilamento nos executivos do poder político real.


Destarte estamos! E a facilidade de favorecimentos na selva de burocracia que se bem adensando (e a sucessiva transposição, ou integração, de regulamentos e regras comunitários são um bom aporte para tal), no excessivo centralismo existente e na apenas deslocalização parcial de alguns serviços para pontos excêntricos, são, pensa-se, uma das causas da propalada praga da corrupção. Até porque, os pequenos e a um nível de pilha galinhas, vão aumentando com o engordar dos benefícios deles decorrentes e consoante se sobe na escala da organização política. E se nos níveis locais de base eles podem ser mais visíveis se neles se quiser atentar, ainda que em muito maior quantidade, os grandes e como se tem visto, acontecem lá bem por cima. Mas isso é outra lavoura, que não a da representatividade; a, no fundo, da Democracia.

Aquela que o espírito progressista d’Abril, plasmado na já invocada Constituição de 1976 (aprovada por todos os partidos com assento nessa constituinte, salvo o CDS, que votou contra), ainda que já encurtado, continua por cumprir; senão é que está mesmo em recessão.

Fundevila, 25 de Abril de 2021


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